Em defesa contra impeachment, Dilma nega crime e diz sentir o gosto amargo da injustiça

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Dilma, durante sessão do impeachment no Senado 29/8/2016 REUTERS/Ueslei Marcelino

Dilma, durante sessão do impeachment no Senado

BRASÍLIA (Reuters) – A presidente afastada Dilma Rousseff respondeu nesta segunda-feira aos questionamentos de parlamentares no julgamento do impeachment no Senado, negou ter cometido crime de responsabilidade e, em discurso com tom emotivo, disse sentir o gosto amargo da injustiça.

Após discurso durante a manhã, por vezes pronunciado com voz embargada, intercalando momentos de sua história pessoal com incidentes da história do país, a petista confrontou-se com perguntas de senadores e senadoras, na sua maioria favoráveis ao impeachment.

Acusada de crime de responsabilidade fiscal, Dilma foi questionada sobre os decretos de suplementação de crédito e as manobras fiscais conhecidas como “pedaladas”.

“Não posso deixar de sentir na boca, novamente, o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio. E por isso, como no passado, resisto”, disse a presidente, lembrando que esteve por duas vezes frente à frente com a morte, durante a sua prisão e tortura na ditadura militar e quando enfrentou um câncer, pouco antes de ser eleita presidente da República pela primeira vez.

“As acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política. Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus”, afirmou em seu discurso antes da votação final do processo de impedimento, que deve ocorrer entre a terça e a quarta-feira.

Ainda que tenha feito pausas em sua fala quando a voz falhava, Dilma aproveitou a ocasião para classificar como “golpe” o processo em curso no Senado caso seja condenada, argumentando que seus adversários lançam mão de pretextos para realizar uma ruptura democrática.

Referiu-se ainda ao governo interino de Michel Temer como usurpador e, segundo ela, a administração interina revelou desprezo pelo programa escolhido e aprovado pelo povo nas eleições de 2014.

“Estamos a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional”, afirmou. “Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado.”

Dilma afirmou que o que está em jogo não é apenas seu mandato, mas o respeito às urnas e às conquistas dos governos petistas.

“Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder… Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça”, afirmou.

“Não é legítimo, como querem meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo por não concordarem com o conjunto da obra. Quem afasta o presidente pelo conjunto da obra é o povo, e só o povo, pelas eleições.”

Também dirigiu seu discurso a senadores indecisos, negando nutrir qualquer tipo de ressentimento. Alertou, no entanto, que serão todos julgados pela história.

“Se alguns rasgam o seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram.”

Em resposta a senadores, já na fase de perguntas, argumentou que a edição dos decretos de crédito suplementar, um dos pilares do pedido de impeachment, obedeceu à legislação vigente e não interferiu na meta fiscal.

Em outra frente, afirmou que não teve participação na execução do Plano Safra, programa do governo abordado pela denúncia do impeachment onde teriam ocorrido as chamadas pedadalas.

“Não houve por parte do governo nenhuma pedalada, o que se fazia era a praxe”, disse ao senador Roberto Requião (PMDB-PR), que ao lado da senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) adotou postura favorável à presidente afastada.

Dilma aproveitou ainda para fazer um mea culpa, reconhecendo que seu partido deveria ter ajudado na aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no passado.

Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), seu ex-adversário na disputa eleitoral, Dilma responde o que quer a partir das questões que são colocadas. “O consenso entre todos nós é que as respostas estão longe de ser objetivas”, disse o tucano a jornalistas.

O interrogatório deve se estender noite adentro. O depoimento tem sido acompanhado de perto pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de ex-ministros da gestão de Dilma e de convidados como o cantor e compositor Chico Buarque, instalados na galeria do plenário.

“CHANTAGEM EXPLÍCITA”

Dilma declarou ainda, durante a depoimento, que o processo de impeachment foi aberto por chantagem do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

“Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido não votassem pela abertura do seu processo de cassação”, disse.

“Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de presidente da República.”

A presidente afastada lembrou que o ex-presidente da Câmara, sob investigação da Lava Jato e que ainda aguarda votação pelo plenário da Casa do parecer que pede a cassação do seu mandato por quebra de decoro parlamentar, ainda não foi julgado.

“Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha destituição”, disse.

Também creditou a setores da elite e a partidos derrotados por ela nas eleições de 2014 a dificuldade que teve de governar a partir de sua reeleição.

“A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira. Desde a proclamação dos resultados eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo”, disse.

A presidente afastada teve direito de fazer um pronunciamento inicial de mais de 30 minutos, e em seguida passou a ser questionada por senadores, quem têm 5 minutos para perguntas. Acusação e defesa também poderão questioná-la.

Os primeiros senadores -oito deles- a dirigirem perguntas à presidente posicionaram-se, na maioria, favoráveis ao impedimento da petista.

O interrogatório de Dilma é um dos pontos altos do julgamento. Da mesma forma que a petista passou as últimas horas se preparando para o depoimento em reuniões no Palácio da Alvorada com conselheiros, senadores da base do presidente interino Michel Temer também prepararam uma estratégia, com objetivo de construir um discurso combativo, sem vitimizá-la.

Afastada desde maio, Dilma é acusada de crime de responsabilidade por atrasos de repasses do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil no âmbito do Plano Safra e pela edição de decretos com créditos suplementares sem autorização do Congresso.

A defesa da petista tem reiterado que os repasses não constituem operação de crédito, o que seria vedado pela legislação, e que não há ato doloso da presidente que configure um crime de responsabilidade.

Por Maria Carolina Marcello e Marcela Ayres

(Com reportagem de Lisandra Paraguassu)

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