Temer na sua primeira entrevista como presidente, afirma ser contra reajuste salarial de ministros do Supremo

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BRASÍLIA — Na primeira entrevista como presidente da República, concedida na manhã da ultima sexta-feira(09), em Brasília, Michel Temer, de 75 anos, buscou pontuar a diferença entre o governo que se inicia, com apenas 11 dias, e a gestão interina, marcada por recuos e desconfiança: “Vou ser mais presidente”. Temer posicionou-se de forma assertiva, e inédita, contra o reajuste dos ministros do STF, uma conta de R$ 5 bilhões, fonte de atrito permanente com a base aliada, PSDB à frente. (Leia a íntegra da entrevista com Michel Temer  abaixo)

Há 11 dias no cargo, o presidente também foi firme em relação às reformas e ao teto de gastos. Seu governo, diz, não abrirá mão do “conceito do teto”, que não permite despesas acima da inflação inclusive nas áreas de Saúde e Educação. Por outro lado, Temer ainda parece um tanto desconfortável com a liturgia do cargo, que herdou após o impeachment de Dilma. Não usou a faixa presidencial no Sete de Setembro e nem pretende vesti-la tão cedo. Diz achar “soberba”.

Apesar de reafirmar que não disputará a reeleição, recusa-se a formalizar um compromisso: “Todo mundo que assina não cumpre”. Em duas horas de entrevista, no gabinete presidencial, elevou o tom e deu tapas na mesa sempre que tratou da acusação de que patrocinou um “golpe”, que, para ele, “não pegou”. Mas também fez piadas, fiel a seu estilo, como ao responder se anda se policiando para evitar as chamadas mesóclises e ênclises: “Tentá-lo-ei não fazê-lo.”

No fim, um leve desabafo: “A pressão do cargo é maior do que eu imaginava.”

A seguir os principais trechos da entrevista.

O que vai ser diferente a partir de agora?

Olha, vou ser mais presidente da República. E como presidente você muitas vezes precisa tomar decisões que devem revelar autoridade. Muitas vezes, no exercício de um cargo, você acha que chegou lá iluminado por uma centelha divina. E não é bem isso. É claro que na interinidade fui mais cauteloso porque, afinal, poderia não acontecer nada, eu poderia deixar o cargo logo em seguida. Mas, de qualquer maneira, exerci como se fosse efetivo. Quem exerce a Presidência tem de fazê-lo na sua plenitude. É claro que preciso, a partir de agora, tomar posições que podem desagradar a setores.

Então qual é a posição do senhor sobre o reajuste dos ministros do Supremo?

Isso daí gera uma cascata gravíssima. Porque pega todo o Judiciário, outros setores da administração, todo o Legislativo. Os telefonemas que eu recebi dos governadores foram: “Pelo amor de Deus, Temer, não deixa passar isso.”

Essa é uma briga que o senhor comprará?

Não compro contra ninguém, mas em favor do país. Não só eu, mas muitos entendem que não é o momento adequado para isso. Vocês podem até me perguntar: “Ah, mas você não deu aumento para várias categorias?” Mas cheguei aqui e verifiquei que havia acordos firmados em escrito pelo governo anterior. Verba volant, scripta manent (em latim, “palavras faladas voam, a escrita permanece”, frase já usada por Temer na carta escrita a Dilma, no ano passado). O que está escrito tem de ser cumprido. Convenhamos, assumi interinamente. Vocês imaginaram servidores do Judiciário parados, do Ministério Público parados, do Tribunal de Contas, Receita, Polícia Federal, com a Olimpíada às portas?

Poderia gerar protestos contra o senhor?

Geraria protestos durante a interinidade. Seria um horror. Eu não conseguiria governar.

Qual é a situação real da economia brasileira? O governo vai persistir em medidas impopulares mesmo que haja sinais de melhora?

É extremamente preocupante. Basta verificar os dados: R$ 170 bilhões de déficit, 12 milhões de desempregados. A gente tem de fazer com que a economia venha a reagir. Há sempre preconceito ideológico, você tem de dar emprego, mas não pode prestigiar a indústria. Como é que você vai gerar emprego, se não tem indústria, negócio funcionando? Antes de recuperar a economia tem de recuperar a confiança. Quando aprovarmos o teto de gastos, encaminharmos a reforma da Previdência e ela começar a se processar no Congresso, o país vai crescer. Crescendo, cresce a arrecadação. Se cresce a confiança, cresce a arrecadação, cresce a estabilidade social.

São medidas impopulares.

Polêmicas, né? São aparentemente impopulares, mas são no fundo populares. O Lula mandou reforma da Previdência, o Fernando Henrique mandou reforma da Previdência. Hoje há uma guerra dizendo que “o Temer vai acabar com os direitos trabalhistas”. Eu não disse em nenhum momento isso. O que estou dizendo é reafirmar algo já feito pelo ex-governo.

Na questão da jornada intermitente, as pessoas entenderam que passariam a trabalhar 12 horas e não 8. O governo não está errando na comunicação ou na disputa política?

Claro, e entenderam que vamos trabalhar aos domingos também (ironiza). É falta de leitura, data venia. Porque ontem (quinta-feira, 08) falei com o ministro do Trabalho, assim que recebi a primeira notícia e ele me disse: acabei de me reunir com as centrais sindicais e eles estão de acordo, querem trabalhar nessa ideia e estamos formatando a reforma de maneira que seja também agradável para as centrais sindicais. Se fizer 12 horas, o empregado tem a possibilidade de ter outro emprego, ou então de ficar de folga três dias por semana.

A estrutura do projeto que impõe teto para o crescimento dos gastos públicos vai ser mantida, inclusive para Saúde e Educação?

Acho que sim. Agora, não estamos pensando em reduzir os gastos com Saúde e Educação. Pode examinar o Orçamento do ano que vem, e vocês verão que nós mantivemos os gastos deste ano e ainda acrescentamos alguma coisa. É muito provável que no Congresso se busque manter o piso constitucional das duas áreas, e nós mandamos com esse propósito. Mas acho complicadíssimo excluí-las do cálculo geral, porque isso derruba o conceito do teto, aí fica difícil negociar.

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Presidente diz que seu governo não abrirá mão do “conceito do teto”.

O senhor vai enviar ao Congresso nos próximos dias a reforma da Previdência com 65 anos de idade mínima para aposentadoria e regra de transição a partir dos 50 anos?

Essas ideias amadureceram muito, mas não estão concluídas. Se estivessem, eu já teria mandado. Quero reunir os líderes em algum momento, fazer reunião com as centrais sindicais, então vou levar um tempinho. Acho que não se consegue aprovar cedo. Vamos mandar, vai ter movimento de rua e vai levar tempo. Duvido que se discuta se tiver segundo turno nas eleições municipais.

No mundo todo, há resistência para reformar a Previdência. Como o governo pretende lidar com esse desgaste?

Com convencimento. Vamos tentar fazer uma campanha de esclarecimento, é fundamental. Vocês sabem que na Constituição já está escrito que na Previdência geral você só se aposenta pela soma de duas condições: 35 anos de contribuição se homem, e 30 anos, se mulher; e 65 anos (de idade) se homem e 60, se mulher. Bastaria se aplicar a Constituição que estaria resolvida a questão da Previdência geral. Não sei por que, ao longo do tempo, entendeu-se que era uma alternativa, uma coisa ou outra. E não é. Está dito literalmente. Outro ponto é que a reforma tem de atingir o serviço público, que tem regra de 60 anos para homem e 55 para mulher. Então, você precisa uniformizar. Vai ser unificação total.

O senhor planeja transformar o secretário-executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, em ministro?

Fiquei sabendo que ele não tem acesso ao sistema do governo em que você se comunica pela internet. Ele tem que se comunicar por papéis. Acho que me equivoquei no primeiro momento em não tê-lo feito logo ministro. Porque ele exerce funções de ministro.

Como será o pacote de concessões, que será lançado esta semana?

Confesso, com muita franqueza, que não sei. (Mas) o que pudermos conceder, vamos conceder. O que for possível, concederemos. Sem preconceitos. O que precisa acabar no Brasil é o preconceito.

Como o senhor vê o aparente crescimento dos protestos de rua?

Com naturalidade. Primeiro, o rescaldo do impeachment, pois é um ato politicamente doloroso pra quem sai. Estou aqui por razões constitucionais. Sempre se fala: “Ah, mas o Temer não foi eleito”. A eleição se deu com apoio do PMDB, nós ganhamos a eleição por 3,2 milhões de votos. Sem o PMDB, a campanha perderia 4 minutos e meio de rádio e televisão. Tivemos ainda 23 diretórios estaduais apoiando. Será que esses estados não deram 1,6 milhão de votos para a chapa?

Mas os protestos cresceram. Podem inviabilizar o governo?

A notícia que eu tinha era de um pessoal que saiu queimando pneu e destruindo carros, os chamados black blocs, e eu respondi: “Olha, são pessoas que se reúnem para depredar”. Depredação é delito. Depois, quando saíram milhares de pessoas às ruas, nós começamos a dizer: tem que se respeitar. Agora, tem uma significação política muito grande, porque é uma oposição a quem está no poder. Aqui também tem um movimento que quer derrubar o governo, por uma via transversal, que não é constitucional: fazer eleições agora. O jeito é irmos tranquilamente até 2018, e em 2018 se faz nova eleição.

Há processo no TSE sobre supostos crimes cometidos na eleição de 2014. O senhor teme que o tribunal condene a chapa?

Eu não participei das arrecadações da campanha presidencial. Se o TSE resolver cassar a chapa, vou obedecer. Mas é claro que usarei de todos os recursos. Tenho uma tese de que a Vice-Presidência é apartada da figura institucional da presidente. Agora, se acontecer, aconteceu. Entrego sem maiores problemas.

Não é incoerente o senhor falar que do ponto de vista do eleitor o voto é numa chapa única e no ponto de vista do julgamento das contas as coisas serem apartadas?

Não, basta ler a Constituição. Qual é a razão, no regime presidencialista, de um vice-presidente? É para ter a ideia da estabilidade. Se acontecer alguma coisa para o presidente, tem o vice-presidente, que, em regra, nos regimes presidencialistas sérios, acompanha tudo o que acontece com o Estado, que ele ajuda a dirigir. Reconheço que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral tem sido na direção do chamado “arrastamento”, ele arrasta com ele a figura do presidente.

O governo vai combater o termo “golpista”?

Acho que o golpe não pegou. Pegou como movimento político. Como movimento político é bem pensado até. Eu quero que explique o golpe (sobe o tom, bate na mesa seguidas vezes). Eu quero debater o golpe, quero que tenham argumentos. Porque o que está infernal no Brasil é essa irascibilidade. Isso está infernizando o país. Me digam qual é o golpe? Eu só quero governar. Para mim, é honroso (assumir a Presidência). Não é questão de vida ou morte.

Há hipótese de o senhor ser candidato (em 2018)?

Não, não. Longe de mim.

O senhor assinaria um compromisso público dizendo que não será candidato?

Não, isso não faço porque todo mundo que assina não cumpre. Quando eu assinar, todo mundo vai dizer: olha aí, ele vai ser presidente.

O senhor não citou o nome Dilma até agora. Por quê?

Eu trato da senhora presidente da República. Dilma? Quer que eu… Não tem problema: Dilma Vana Rousseff.

Por que não usou a faixa no Sete de Setembro?

Sou meio contrário a certas coisas. Primeiro, é preciso muita discrição. Usar a faixa significaria uma soberba nesse momento.

Mas o senhor é presidente.

Não deixo de ser presidente por não usar a faixa.

É questão institucional.

Claro. Quando eu for passar a faixa, daí eu uso.

E o retrato?

Sabe que estou pensando seriamente… Sou meio contra pôr meu retrato nas repartições. Primeiro porque toda vez que vejo um retrato meu na parede parece que eu já morri (risos). É um culto à personalidade.

O que sentiu ao ser vaiado no Maracanã?

Eu fui preparado, chamei as vaias. Quando vim ao Rio (antes da abertura), alguém gritou: “O senhor não vem ao encerramento com medo das vaias?” Eu disse: “Reservem as vaias para a Paralimpíada, porque eu virei”. Vim preparadíssimo.

E quando vocês se mudam para o Alvorada?

Vou esperar um pouco.

Por quê?

Eu estou tão bem lá no Jaburu (Palácio do Jaburu, residência do vice), tem muito jeito de casa…

O senhor parece incomodado com ritos do cargo…

Uma certa simbologia, digamos assim, reveladora da autoridade. Você precisa ter o símbolo para ser autoridade? Ou eu sou autoridade por conta própria, ou não é o símbolo que vai me fazer autoridade.

Em que medida uma eventual delação do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha pode gerar constrangimentos ou uma crise no governo do senhor?

Acho que não gerará nenhum constrangimento, mas é um simples achismo.

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Eu falo com todas as pessoas, não posso ter essas limitações.

Ele tem lhe procurado?

Nos últimos dias, não me procurou. Mas eu falava muito com ele. As pessoas têm medo às vezes de dizer isso. Eu falo com todas as pessoas, não posso ter essas limitações. Ele (Cunha) não tem me procurado, se me procurar eu falo. Não tem nenhum inconveniente. O que ele pode me pedir? Pedir para ajudá-lo.

Fonte: O Globo

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