Superdotados de Rondônia desafiam preconceito e projetam pesquisas e iniciativas para transformar a sociedade

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Já pensou ter habilidades fora do comum, resolver cálculos difíceis com muita facilidade, aprender a ler aos três anos, desenvolver projetos científicos ainda no Ensino Fundamental, se destacar em algum esporte, na música, nas artes? Parece incrível, mas a vida dos superdotados como são conhecidas as crianças com altas habilidades esbarra no preconceito.

‘‘As pessoas precisam tirar o preconceito pelas outras pessoas serem inteligente, precisa perder o ódio. Harmonia é o que falta. Que todo mundo respeite quem é inteligente na sala, não bata. Eu já fiquei com olho roxo na escola por causa de mãozada que levei. Me agrediam de uma forma tão brutal e eu não compreendia, não sabia que tinha essas altas habilidades. Às vezes eu até falta aula, ficava escondido no banheiro para não ter que enfrentar tudo aquilo’’.

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Guilherme ao lado da mãe e do irmão conta os desafios das crianças com altas habilidades

Esse é o desabafo de Guilherme Mantaia Moreira, 10 anos. Segundo mãe de Guilherme, Carla Aparecida Mantaia,  ela se surpreendeu quando o filho  aprendeu a ler e escrever com três anos.  ‘‘Primeiro eu procurei ajuda psicológica porque eu não entendia o que estava acontecendo porque não é normal que uma criança de três anos que não frequenta escola ler sozinha e escrever’’, conta.

Segundo Carla, ele começou do dia para noite a perguntar sobre as letras, ela falava, ele repetia e não esquecia mais. O psicólogo a orientou a procurar um psicopedagogo que alertou  que Guilherme precisava ir para escola para ter desenvolvimento social.

‘‘Aí eu procurei a escola e ele teve que ser matriculado em uma turma de uma faixa etária maior que a dele. Com quatro anos ele frequentava aula na turma dos alunos de cinco anos’’. Na escola, Guilherme sofria por não ser compreendido. As aulas se tornavam entediantes. ‘‘Era chato, é difícil saber que você é odiado na sala, chamado de nerd. Eles não compreendiam e não tinha noção que isso nasceu comigo’’, conta o estudante.

Mas a porta para um mundo diferente se abriu quando Guilherme foi encaminhado para um das salas de recurso de robótica do Estado. Ele foi  direcionado a sala da professora Lucy Mara Camacho que funciona na escola Barão dos Solimões, em Porto Velho. ‘‘Pela primeira vez que entrei na sala de robótica eu fiquei emocionado porque sempre tive vontade de vir e a minha mãe sempre me apoiou. Aqui também encontrei muito apoio da professora. Ela me ensinou, aprendi, participei de competição e foi uma das melhores coisas que já aconteceu comigo’’, disse Guilherme.

Participar as salas de robótica também fez Guilherme ser visto de forma diferente pelos colegas de sala. ‘‘Quando eu vim para cá, provei para todo mundo que eu tinha realmente altas habilidades e ninguém mais me desrespeitou’’, relata o estudante.

Para Carla, a sala de robótica foi um avanço para o desenvolvimento do filho. ‘‘A pessoas pensam que a criança por ter alta habilidade se desenvolve sozinho, mas eles precisam sim de ajuda porque existe uma diferença do emocional, da idade, do intelectual e a sala de recurso traz isso. Ajuda a trazer esse equilíbrio para eles’’, avalia.

Com a robótica Guilherme aprendeu a trabalhar em equipe e gostar de matemática, o que antes ele detestava.  ‘‘Aqui é muito melhor porque a professora fala uma coisa que todos entendem, trabalha em equipe, ninguém aqui bate nos outros, todos vivem em harmonia’’, disse.

Assim como para Guilherme, a sala de robótica é um lugar de criatividade e de descobertas para  o estudante do 9º ano Árion Cruz, 13 anos. ‘‘A professora me apoia os colegas também me dão ideias. Já desenvolvi vários modelos 3D para o jogo que vou fazer’’, conta.

Os impactos positivos da sala estratégica de desenvolvimento dos alunos com altas habilidades também pode ser percebido pela assistente social Alcione Félix do Nascimento.Ela conta que a filha Evelyn Félix Ortiz, 13 anos, sempre foi introspectiva, mas que na sala de recurso tem gradativamente melhorado a interação com os colegas.

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A estudante Evelyn ao lado da professora Lucy Mara e da mãe Alcione Félix

‘‘Foi um alívio ela ter vindo para essa sala de robótica. Percebo que eles conseguem interagir, cada um respeitando o seu espaço. Aqui tem inclusão, ela se sente muito bem’’, afirma Alcione. O bom desempenho da estudante em sala de aula chamou a atenção de um dos professores.

‘‘Eu sempre tive uma facilidade para aprender, mas quem me indicou para a sala de robótica foi meu professor de matemática do 6º ano’’, disse Evelyn. Segundo a mãe, ela sempre se interessou em fazer pesquisas online, aprendia rápido e tem um senso crítico avançado.Tanto que ela projeta criar uma nova metodologia de ensino que estimule os alunos.

”Muitas vezes o professor faz uma pergunta e ela sabe a resposta, mas ela não fala para dar a oportunidade aos colegas falarem. Ela também disse que quer ajudar outros alunos que estão com dificuldade no inglês. Acho interessante ela querer compartilhar o conhecimento”, afirma Alcione.

Outro que sempre se destacou em sala de aula é Gustavo Augusto Ortiz de Oliveira, 15 anos, estudante do 1º ano. Ele participa da sala de robótica desde 2013 e tem boas colocações nas competições. ‘‘Os professores notaram em mim a excelência acadêmica e eles me indicaram para a professora Lucy Mara. Aqui a gente tem a oportunidade de se conhecer, saber no que somos bons, além de compartilhar conhecimento. Aprende e ensina ao mesmo tempo’’, relata.

A mãe de Gustavo, a técnica administrativa Roseline Cristine da Costa, ressalta a importância de apoiar as crianças e jovens a desenvolverem suas aptidões. ‘‘Eu acho muito bem essa atividade extracurricular para meu filho para desenvolver as habilidades dele. A escola dar uma estrutura dentro das suas condições e o que eu posso fazer como mãe para incentivar, eu faço’’, disse.

‘‘Nós utilizamos a robótica como instrumento de identificação. Não é porque ele tem altas habilidades que não precisa de atendimento, pelo contrário, eles precisam de direcionamento’’, Lucy Mara, professora

Incentivar também é a estratégia do advogado João Souza Regis, pai de uma estudante com altas habilidades‘‘Procuramos preencher o dia dela com ballet, natação, e agora robótica tudo que ela possa descarregar essa energia’’. João acredita que a família tem que estar atenta a criança  que tem esse dom. ‘‘Procure ajudá-los a desenvolver essas habilidades porque deles depende o nosso futuro. Se a gente encaminhar para o bem serão boas pessoas e vão usar essas habilidades para o bem comum’’, aponta.

E quando às habilidades é em dose dupla?  É o que acontece na família dos irmãos Leonardo, 13 anos, e Mateus Silva Gonçalves, 16 anos. ‘‘A gente percebe que certas coisas são mais fáceis para gente do que para as outras pessoas. Meus colegas vão até minha mesa pedir ajuda sobre alguma coisa que não entenderam algum cálculo’’, conta Leonardo que além da matemática, ciências, artes e música também se interessa pela história antiga da Grécia e Roma.

‘‘Eu fui identificado com altas habilidades devido conseguir fazer cálculos muito rápido, utilizando tabuada e até expressões numéricas. Me interessei por robótica porque quero fazer engenharia mecatrônica’’, disse Mateus que afirma que ter um irmão com alta habilidades só ajuda.  ‘‘Quando ele tem dúvida no projeto dele ou eu tenho duvida no meu projeto a gente acaba discutindo uma forma de chegar à conclusão desse projeto’’, afirma.

Para os pais de crianças e jovens com altas habilidades, a sala de recurso tem um papel importante para que eles também se sintam apoiados.

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Gustavo Ortiz ao lado da mãe é um dos alunos que tem se destacado nas competições de robótica

‘‘Ela sempre foi uma boa aluna, tirava notas boas, sempre querendo aprender mais, mas sempre recatada. E em casa como eu sempre estava fazendo muita pesquisa acabava sem querer influenciando também. Às vezes, estava ocupada e ela queria saber de algo eu falava vai pesquisar e eu achava que ela nem ia, mas depois ela voltava me explicando”, conta Alcione, mãe de Eveliyn.

Com a rapidez em absorver conhecimento, Evelyn logo foi tendo questionamentos mais complexos.” Eu preciso estar preparada para os questionamentos delas porque são questionamentos pesados. Não tenho bens para te deixar, o que eu te deixo é o conhecimento”, disse Alcione .

Alcione conta que teve uma época em que Evelyn não queria ir mais ir para escola, pois achava que aprenderia mais em casa. O mesmo aconteceu com Guilherme.  ”Quando eles já sabem alguma coisa é muito entediante. Ele não queria fazer as atividades. Todos os dias a professora estava no portão com reclamação a respeito dele”, afirma Carla.,

Ser mãe de crianças com altas habilidades  é um desafio gratificante para os pais. ” É muito prazeroso ter um filho com altas habilidades, mas também é muito difícil porque exige muito da gente, faz muitas perguntas.Eles sugam demais, exigem demais da gente”.

Elas contam que muito dessa inquietação dos filhos foi superada na sala de robótica onde eles são desafiados a trabalhar em equipe e estimulados a criar soluções para os problemas da humanidade.

Os conhecimentos adquiridos na sala de recurso de robótica não ficam restritos, mas rompem fronteiras através de mostras e competições. ‘‘Aqui recebemos muito apoio da professora que sempre nos ensina coisas diferentes e nos incentiva a criar projetos. E a gente vai errando, acertando, errando, acertando e até que começamos a acertar mais’’, explica Leonardo.

A expectativa dos estudantes agora é para a Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) que fará a modalidade prática estadual entre os dias 16  e 17 de setembro. Os estudantes se empenham na criação do robô resgate. A missão é fazer ele fazer um circuito ultrapassando vários obstáculos, seguindo uma linha preta. Depois ele tem que subir em uma rampa onde terá que resgatar uma vítima e deixa-la em um lugar seguro.

O robô resgate, explica Guilherme, serve para profissionais como bombeiros e policiais poderem realizar resgate em prédios desabando sem se machucar. Mas apesar da empolgação em participar da competição, Guilherme pondera: ‘‘O mais importante não é ganhar uma competição, é você participar, se divertir, aprender’’.

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E essa é uma das características dos estudantes com altas habilidades querer melhorar o mundo ao redor. Guilherme, por exemplo, já decidiu que carreira que quer seguir.  ‘‘Eu quero ser cardiologista e pesquisador. Quero construir máquinas para ajudar na medicina, por exemplo, uma bomba que poderia servir como coração ou uma máquina que pudesse fazer cirurgia coordenada por um médico telepaticamente’’, disse.

A escolha não é para ser reconhecido, mas para fazer o bem pela humanidade. ‘‘Com a medicina poderei ajudar as pessoas, tirar as doenças delas. Eu quero descobrir a cura do câncer, eu quero fazer transplantes, eu quero cuidar das pessoas, eu quero ajudar o mundo’’, afirma o estudante.

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Giovanna ao lado da professora não esconde a alegria de apresentar a pesquisa sobre altas habilidades em Novo Hamburgo

Essa sensibilidade em desenvolver soluções para problemas sociais também é incentivada na sala de robótica. ‘‘Quando eu comecei a fazer robótica eu era muito antissocial, egocêntrica, sempre no meu canto, aqui aprendi a trabalhar em equipe. Aprendi a não desistir fácil, a perseverar. A gente ganha conhecimento técnico, experiências, criei uma amor por esses meninos ’’, conta a estudante do 1° ano Giovanna Dayse C. Palácio, 15 anos.

Giovanna desenvolveu pesquisa sobre os desafios dos estudantes com altas habilidades. A iniciativa acabou ficando em quarto lugar na Ferocit, a Feira de Rondônia de Científica de Inovação e Tecnologia e ainda rendeu a oportunidade de ir para a feira de ciência e tecnologia Mostratec, em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, para também apresentar esse projeto.

Para a estudante os desafios para os alunos com altas habilidades começam pela identificação. ‘‘O que percebi é que os alunos são negligenciados porque existem muitos mitos em relação aos alunos de altas habilidades porque o que as pessoas pensam que os superdotados são alunos que sabem de todas as coisas, que tira 10 em todas as matérias, mas não é bem assim’’.

E completa: ‘‘O Cristiano Ronaldo é bom no futebol, mas pode não ser bom em outras coisas. É uma habilidade acima da média. Tem pessoas que tem altas habilidades em uma matéria só ou a habilidade dela é cognitiva, ou de arte, ou de dança, isso é negligenciado porque falta esse entendimento’’, explica.

A preocupação de Giovanna tem justificativa, uma vez esse estudante identificado com altas habilidades e direcionado para a área de interesse é possível que se torne agente de transformações sociais e é essa a missão das salas de recurso de robótica em Rondônia.  ‘‘Nós utilizamos a robótica como instrumento de identificação. Não é porque ele tem altas habilidades que não precisa de atendimento, pelo contrário, eles precisam de direcionamento’’, afirma Lucy Mara Camacho, professora responsável pela sala de recurso de altas habilidades na escola Barão dos Solimões.

Segundo a professora Lucy Mara, quando a habilidade é na área acadêmica é mais fácil para o professor identificar porque ele é aquele aluno que aprende com facilidade e tira boas notas, agora quando não é fica mais difícil para o professor reconhecer.  ‘‘É precisar observar a personalidade, a maneira que ele se expressa, seus planos e sonhos’’, aponta.

Lucy Mara conta que a política de inclusão de alunos com altas habilidades é recente no Estado. ‘‘Esse projeto começou em 2012, na época do NAAH/S, Núcleo de Altas Habilidades/Superdotação. Era um projeto para seis escolas: Barão dos Solimões, Carmela Dutra; Petrônio Barcelos; São Luiz; Anísio Teixeira e o NAAH/S. Nas escolas eram observadas características dos alunos e quando identificados com alta habilidades eram encaminhados as salas de recurso’’.

Ela pontua os avanços que foram alcançados neste período de 2012 para 2017.  ‘‘Aqui eles conseguem se identificar um com o outro. A gente percebe grandes avanços. O Gustavo está com a gente desde 2013 e ele é apaixonado por robótica, a programação que ele faz está muito além do meu conhecimento porque eu não sou da área de tecnologia. O Árion está desenvolvendo jogos. Era inquieto, mas hoje já consegue trabalhar em equipe. É preciso trabalhar para que esses talentos que eles têm não sejam desperdiçados’’, defende a professora.

Segundo levantamento do Núcleo do Censo Escolar e Estatística da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), o Estado possui 520 alunos superdotados matriculados em escolas estaduais.

As salas de recurso direcionados a robótica fazem parte da política pública do governo de Rondônia em uma ação estratégica da Educação Especial para o desenvolvimento de crianças e jovens com altas habilidades.

São 13 no total distribuídas nos municípios de Pimenta Bueno, Alvorada do Oeste; Ji-Paraná; Colorado do Oeste; Ariquemes; Ouro Preto do Oeste e Porto Velho que prestam atendimento a esse público. Eles se destacam, fazem o nome de Rondônia de sobressair nas competições e usam as habilidades para a construção coletiva de um futuro melhor.

Fonte: Secom

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