Há um ano o Ceará perdia um dos principais ícones da cultura popular. Ele foi sucateiro, comerciante, poeta e, claro, uma lenda do cordel nordestino.
Fonte: Jornal O POVO on line
Por Paulo Renato Abreu
Joaquim dos Santos Rodrigues levou uma vida simples. Acordava cedo e saía da rua Conceição, onde morava, indo até a sucata que mantinha na rua Santa Luzia, no centro de Juazeiro do Norte. Na manhã de sábado de 22 de novembro de 2014, Lunga não resistiu a complicações após cirurgia no esôfago. Morreu aos 87 anos, há um ano.
Com respostas “na lata” e jeito espontâneo, o cearense de Caririaçu virou mito pelas páginas da literatura de cordel. A fama de zangado espalhou-se por todo o País. Mesmo que Lunga negasse muitas das respostas grosseiras atribuídas a ele, o sucateiro, que também se dedicava ao repente, virou celebridade.
Piadas e política
O homem-mito não gostava de piada nem de futebol. Tampouco de dar bom dia. Na pauta de discussão: política era seu assunto predileto. O comerciante, inclusive, chegou a disputar cargo de vereador em Juazeiro, mas, com apenas 463 votos, não se elegeu.
Perfil
Seu Joaquim dos Santos Rodrigues nasceu em Juazeiro do Norte, no dia 18 de agosto de 1927. Mas morou durante toda a infância em Assaré. Voltou a Juazeiro do Norte aos 20 anos, em 1947, onde casou-se e teve 13 filhos – três homens e 10 mulheres. Doze estão vivos. Trabalhou na agricultura e foi ourives, antes de comprar o prédio onde funcionava sua loja.
Curiosidades
Em 2011, Seu Lunga ganhou uma ação contra o cordelista Abraão Bezerra Batista, que foi proibido de utilizar a expressão “Seu Lunga” em suas publicações. Ele entrou com o pedido na Justiça por considerar que os cordéis contribuíram para consolidar a imagem negativa de “grosseirão dotado de incomum rudez”.
Seu Lunga deu diversas entrevistas ao O POVO. Em 2012, em conversa com a equipe da Expedição Jornalística Rádio O POVO 30 anos, voltou a negar que os causos contados sobre ele sejam verdadeiros.
Retratos
Seu Lunga no O POVO – Confira algumas anedotas de Seu Lunga
O poeta, vendedor de sucatas e repentista
- Seu Lunga está numa festa, morrendo de sede, quando passa um garçom. “Aceita água, Seu Lunga?” – pergunta. “Sim, por favor”, responde o zangado. “No copo, Seu Lunga?”, instiga o garçom. “Não. Tu rebola no chão e me dá um rodo que eu bebo aqui mesmo!”.
- Um cliente chega no botequim de Seu Lunga e pede uma dose de cachaça e meio limão. Quando Lunga tenta cortar o limão um pouco do sumo da fruta respinga em seu olho. “Doeu, Seu Lunga?”, quer saber o cliente. “Não. Vai doer é agora”, rebate Seu Lunga, espremendo o limão todinho no próprio olho.
- Seu Lunga está vendendo um relógio em sua loja. Então chega uma pessoa interessada no objeto e solta a infeliz pergunta. “Seu Lunga, posso tomar banho com ele?”. A resposta sai na lata. “Sei não. Eu to vendendo é um relógio, não um sabonete”.
- Seu Lunga ganhou um frango, vivo, em visita à casa de um parente. Na volta para casa, com o animal debaixo do braço, alguém o pára na rua e pergunta. “Seu Lunga, esse frango aí que o senhor está levando é para comer?”. “Não. Eu tô levando ele é para passear. Bora franguinho, anda, anda”, e sai tangendo o bicho pela rua.
- Seu Lunga estava passeando na calçada com o cachorrinho. E lhe perguntam: “passeando com o cachorrinho, seu Lunga?” E Seu Lunga respondeu. “Não. É meu passarinho”, pegando o pobre poodle pela coleira e o fazendo voar.
- Seu Lunga vai saindo da farmácia, quando alguém pergunta: “Tá doente, seu Lunga”? E ele responde: “Quer dizer que se eu fosse saindo do cemitério eu tava morto?”
- O funcionário do banco veio avisar: “Seu Lunga, a promissória venceu”. E ele respondeu: “Meu filho, pra mim podia ter perdido ou empatado. Não torço por nenhuma promissória”.
- Um rapaz entrou em sua loja e disse: “Seu Lunga, tem pregos tamanho pequeno?”. E ele respondeu: “Tá aí no meio”, aponta para a caixa. E o rapaz procura, procura e não acha. Seu lunga resolve procurar e acha o prego tamanho pequeno. E o rapaz diz: “Obrigado”. E ele responde: “Nada disso. Agora você vai ter que procurar”, e devolve o prego à caixa.
- Poesia de Seu Lunga sobre a morteEm entrevista para as Páginas Azuis do O POVO, em março de 2009, o repentista declamou sobre a morte
“Meus amigos, eis aqui o destino / Nós estamos aqui reunidos, assistindo a separação dessa criatura que vai deixando a vida material para a vida espiritual / Nós aqui com o coração cheio de dor, de lembrança e de recordação / Dos dias felizes que nós passamos aqui na terra, junto a esta criatura e hoje ele dá um Adeus deixando a recordação a seus irmãos, a seus filhos, a seus amigos, a seus parentes / Nós, aqui tristes, sentindo essa separação, mas lá está Jesus, de braços abertos, esperando a sua chegada com seus familiares / Pai, irmão, tio e mãe estão lá comemorando a sua chegada e nós, aqui, com o coração transportado de tristeza, de separação”.