‘Sapatona doida’: Professor da Universidade Federal de Rondônia choca estudantes com ofensas em sala de aula

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“Aquela vagabunda, entendeu? Defensora de aborto, de gênero. Vagabunda. Mande pra ela me processar, que eu provo que ela é.”

Foram essas as palavras escolhidas pelo professor Samuel Milet, do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), na última quinta-feira (20), para se referir à Sinara Gumieri, advogada e mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética.

A advogada foi convidada a participar do evento “Por que é preciso falar de gênero no Direito?”, ocorrido em 13 de outubro e organizado pelo centro acadêmico do curso. O objetivo da palestra era discutir como o gênero se relaciona com a pesquisa e prática jurídicas.

Samuel Milet não permaneceu na palestra, pois ele dá “as costas” a quem “aplaude” a discussão do aborto.

Porém, o tema da exposição de Sinara foi retomado na aula de Direito das Sucessões por ele ministrada. Questionado por uma de suas alunas, Milet não economizou no tom machista.

A estudante, que preferiu não ser identificada, gravou um áudio de 15 minutos da conversa em sala de aula a pedido do próprio professor.

Milet demonstrou se sentir incomodado pela exposição da palestrante. Ele chegou a usar as palavras “bostinha” e “cocô” para se referir à advogada.

Além do aborto, a Lei Maria da Penha e a violência contra a minoriaLGBT também estiveram em pauta.

Para Milet, os gays e trasgêneros são “humanos” e “têm direitos”, mas a discussão sobre gênero é uma “invenção do PT que afastas as pessoas”.

Professor: Sinara Gumieri, já pode, já? Sinara Gumieri, aquela vagabunda, entendeu? Defensora de aborto, de gênero. Vagabunda. Mande pra ela me processar, que eu provo que ela é. O pior sabe o que é? Não é a pessoa que fale, o pior crime é a omissão. O teu corpo é teu?
Aluna: É.
P: Mas a vida não é. Então aquilo que tá dentro de você não é seu, porque é vida. Pode falar.
A: O senhor assistiu quantos minutos de palestra?
P: Quando fala em aborto eu não assisto nem meio.

[…]

P: Tá, então o que é que você quer que eu diga do aborto. O que é que você julga que é bom do aborto?
A: Eu não quero discutir isso com o senhor, porque eu acho que a gente não tá nessa discussão.
P: Mas é exatamente. Aquela mulher, aquela bostinha, cocô; ela foi lá não foi pra dar uma palestra. Ela não foi pra um debate, porque ela falou sozinha. Aí quando tocou no assunto do aborto eu tive que me manifestar, dei as costas, soltei um peido e fui embora.

[…]

P: Então deixa eu falar. Os transexuais, seja homem ou mulher, GLBT, SBT, Record, o que for, eles são humanos. Humanos, tá? E como humanos eles têm direitos. Agora a questão de gênero que estão querendo incutir em nós é o seguinte: você nasce com uma rola, mas é você quem vai decidir se é homem ou se é mulher, tá? Agora tudo bem, decida. Só que a Lei Maria da Penha foi feita para as mulheres no âmbito doméstico. Os homossexuais, os trans, têm direito? Têm. Eu já falei aqui, mas então vamos fazer uma lei pra eles. Que eles têm direitos, eu acho que têm. Eles não podem ser vítimas da sociedade. Agora usar a mesma lei que eu defendi para você, mulher, e dizer que serve pra ele? Não! […] Esse negócio de gênero é PT, meu bem. É PT quem inventou isso. O PT afasta as pessoas. Antes o Brasil era formado de pessoas, hoje o Brasil é formado de classes. Você viu os gays que estão aí querendo cotas, você tem as mulheres que estão querendo…. Olha, tu como mulher, tu, tu, tu e tu não fizeram nada para ter os direitos que vocês têm.
A: Eu faço, inclusive peço para calarem a boca quando pessoas têm esse tipo de discurso e falam isso na minha frente.
P: Pois eu provo. Só que você pode pedir pra eu calar, eu não vou calar.
A: De todo o direito seu.
P: Quer que eu prove? Quer que eu prove? Vocês sabem quando foi que as mulheres entraram no mercado de trabalho? Foi porque elas lutaram pra isso? Não! Foi porque os homens foram pra guerra e faltaram pessoas pra movimentar as indústrias. 53% da população é formada por mulheres, e quantas deputadas Rondônia tem? Uma federal. E quantas estadual? Duas, mas agora é uma só porque a outra virou prefeita.
A: Professor, e é justamente por isso que a gente precisa falar de gênero.

[…]

A: Mas eu não posso me manter omissa quando o senhor chega dentro de uma sala de aula e fala que não é direito um evento acadêmico em que, se o senhor tivesse comparecido nos demais dias, o senhor poderia ter verificado. Foram mestres e doutores em criminologia, doutores em filosofia, foram juízes. Ela é mestre em direito, a Sinara Gumieri. Ela é mestre em direito da UnB.
P: Não. Ela é uma sapatona muito doida.
A: E se ela quiser ser o problema é dela. A vida é dela.
P: E que veio com uma ideologia petista. Porque eu odeio o PT, veio com uma ideologia petista e vocês bateram palmas de pé.
A: Professor, o senhor pode achar o que o senhor quiser, mas a questão é que o senhor não pode ferir a dignidade de alguém xingando ela pra outras pessoas.
P: Então me processe.

A ofensa de Milet à advogada repercutiu nas redes sociais. O Centro Acadêmico de Direito 5 de Outubro publicou uma nota em que explica que o posicionamento de Milet “passou dos limites”.

“Consideramos que esta atitude extrapolou os limites da boa convivência e relação professor-aluno e que agressões direcionadas a grupos específicos, como LGBTs, mulheres ou posições políticas, não devem fazer parte de um cotidiano democrático, muito menos em uma universidade. Reforçamos que o ocorrido parece apenas reafirmar a importância do discutido na palestra (que infelizmente o dito professor não acompanhou até o fim) de se discutir, no direito e em qualquer área, todo e qualquer tipo de assunto, inclusive gênero.”

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O Centro Acadêmico de Direito 5 de Outubro vem à público manifestar repúdio ao recente ocorrido em sala de aula do curso de Direito na Universidade Federal de Rondônia – UNIR, Campus Porto Velho, aos 20 de outubro de 2016.

Na aula de Direito das Sucessões, o professor da referida matéria, contestando uma palestra ocorrida aos 13 de outubro de 2016, no auditório da OAB, com a temática “Por que é preciso falar de gênero no direito?”, proferiu palavras de baixo calão à palestrante, chamando-a de “vagabunda”, “bostinha”, em razão do conteúdo proferido na palestra, o qual não foi rebatido na ocasião da mesma, inclusive porque o referido professor permaneceu apenas minutos iniciais do evento e retirou-se.

Na mesma oportunidade, uma aluna (integrante da diretoria deste Centro Acadêmico), contestou e interferiu a fim de explanar suas opiniões acerca do assunto, no que foi respondida de forma grosseira e humilhante durante o discurso (de ódio) na sala.
As palavras foram gravadas, como mandou fazer o próprio professor, em áudio no qual se vê uma série de agressões verbais direcionadas a qualquer um que estivesse presente por razão de posicionamentos sociais, políticos e ideológicos. Ademais, na fala, pôde ser percebida uma série de preconceitos dirigidos a camadas sociais.

Entendemos, primeiramente, que todo e qualquer assunto pode e deve ser debatido em sala de aula, bem como que a Universidade é o local da discussão propriamente dita, assim, todos os pontos de vista devem ser levados em consideração. Todavia, tudo isso ocorrendo dentro das regras éticas de convivência, sem violência, agressões ou desrespeito.

A figura de professor(a) é uma referência aos discentes e possui uma relação de poder com esses, portanto, em sala de aula, o tratamento entre ambos deve ser guiado pelo respeito e bom senso, inclusive. Evitando excessos, caso contrário, essa relação é subvertida em autoritarismo.

Consideramos que esta atitude extrapolou os limites da boa convivência e relação professor-aluno e que agressões direcionadas a grupos específicos, como LGBTs, mulheres ou posições políticas, não devem fazer parte de um cotidiano democrático, muito menos em uma Universidade. Desse modo, repudiamos toda e qualquer forma de manifestação ofensiva, discriminatória e desrespeitosa, ocorrida ou por ocorrer no ambiente acadêmico, justamente por entender que essa forma é inadequada à sala de aula e mesmo à convivência social.

Reforçamos que o ocorrido parece apenas reafirmar a importância do discutido na palestra (que infelizmente o dito professor não acompanhou até o fim) de se discutir, no direito e em qualquer área, todo e qualquer tipo de assunto, inclusive gênero.

Os encaminhamentos formais estão sendo feitos, nas esferas cabíveis.

Agradecemos, desde já, a todas as entidades que tem se mobilizado em apoio e manifestamos toda nossa solidariedade e apoio a alunas e alunos que, ao irem a Universidade com o fim de exercitarem o pensamento, são bombardeados por falas calcadas no ódio e falta de senso, as quais não raras as vezes são falsamente abrigadas pela liberdade de expressão inerente a todos.

Um um vídeo manifesto, a professora da UNB Debora Diniz exige que Milet peça desculpas públicas a Sinara Gumieri.

Ela afirma que a advogada compareceu ao evento representando-a e argumenta: “Sinara falava de temas que eram moralmente intensos ao senhor. Mas isso não importa. Nós dois somos professores. Somos treinados para lidar com a controvérsia. Devemos ser capazes de acolher e acima de tudo de jamais discriminar.”

Em sua página do Facebook, o professor publicou um vídeo em que explica que a palavra “vagabunda” foi usada por ele para se referir a uma pessoa “desocupada”.

Ainda, Milet afirma ser um defensor da “família”, “da vida” e da “moral”.

“Estou sendo o centro de achocalhamento. Estou sendo acusado de machismo, homofóbico, simplesmente porque defendo a família, a vida e a moral. Em defesa desses valores, fui atacado por uma acadêmica em sala de aula, uma acadêmica ligada ao Centro Acadêmico, um grupinho de esquerdopatas. […] Foi uma expressão mal compreendida quando eu faço uso da palavra vagabunda. Vagabundo para nós é a pessoa desocupada. Nunca tive e nem tenho a intenção de atingir a honra de ninguém.”

DIREITO DE RESPOSTA: Link do vídeo: https://www.facebook.com/samuelmilet.milet/videos/1029606353815283/

Samuel Milet argumenta que a gravação foi feita mediante o pedido dele, mas diz que o áudio disponibilizado está fora do contexto, pois não apresenta nem o início e nem o final.

“Os esquerdopatas tem feito uso errôneo desta gravação de modo a atingir a minha dignidade. Recebo milhares de pessoas que apoiam a minha luta pela vida e pela família. Ninguém calará essa boca.”

A advogada de Sinara Gumieri, Gabriela Rondon, afirmou ao HuffPost Brasil que serão tomadas as medidas cabíveis contra o professor.

De acordo com ela, a violência sofrida pela mulher é grave e o caso vai além das ofensas individuais à palestrante.

“O que ela sofreu foi uma violência grave e por isso vamos entrar com um processo em nome dela contra o professor. Para além da motivação individual da Sinara, o caso é muito maior. A gente quer provocar uma discussão do que aconteceu naquela sala de aula. Foi um discurso atentatório ao bom debate em uma sala de aula, uma liberade de expressão, e totalmente contra a ideia de uma universidade sem ódio. Vamos trabalhar em duas frentes e reagir com as medidas cabíveis.”

Procurada pelo HuffPost Brasil, a UNIR não quis comentar e publicou uma nota oficial de esclarecimento

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Em decorrência do caso foi criada uma petição online pelo grupo Isso Não É Direito.

O abaixo assinado quer que a Universidade responsabilize o professor por sua postura.

Na descrição do documento está o repúdio ao discurso violento e abusivo do docente; a postura discriminatória, especialmente o uso de palavras ofensivas como “vagabunda” e “sapatão doida” para se referir à Sinara Gumieri e a solidariedade com a turma e todos os estudantes envolvidos no episódio, especialmente com a estudante diretamente interpelada pelo docente.

Fonte: Brasilpost

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