Pesquisadores apontam elo entre a crença em Deus e honestidade

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Acreditar em deuses que punem malfeitores faz com que as pessoas fiquem um pouco mais honestas e dispostas a compartilhar bens com estranhos –ao menos se tais estranhos pertencerem à mesma religião que elas.

É isso o que concluiu uma equipe internacional de pesquisadores após realizar experimentos com 591 membros de comunidades tradicionais mundo afora, inclusive da ilha de Marajó, no Brasil.

Os dados, publicados na prestigiosa revista científica “Nature”, prometem intensificar ainda mais o debate sobre as origens e a função da crença em Deus.

Para alguns psicólogos e antropólogos, a fé religiosa poderia levar a piores escolhas morais, dando combustível à intolerância e à agressividade. Outros especialistas, no entanto, propõem que, em certas circunstâncias, a crença ajudaria a criar sociedades mais cooperativas e a “domar” a violência.

É a esse segundo grupo que pertencem os autores do novo estudo, liderados por Benjamin Purzycki, da Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá). Eles trabalham com o conceito de “Deuses Grandes”: divindades que conhecem as ações humanas e que atuam de forma “moralizante”, punindo os maus e recompensando os bons.

COMO FOI FEITO O EXPERIMENTO
Pesquisadores fizeram experimento com 591 pessoas de oito comunidades pelo mundo

Honestidade e religião

Cada pessoa recebia 60 moedas (30 para cada jogo), dois cofrinhos e um dado pintado com duas cores

1. Dois jogos
Usando esse material, os voluntários participavam de dois tipos de jogos. Num deles, as moedas colocadas nos cofrinhos podiam ir para membros da mesma religião do jogador que moravam perto dele ou para membros da mesma religião que moravam longe. No outro jogo, o dinheiro ia para companheiros de religião que moravam longe ou para o próprio jogador

2. Cada um no seu cofrinho
Antes de jogar o dado, a pessoa escolhia mentalmente um dos cofrinhos para colocar o dinheiro. Se o dado caía numa das cores, a pessoa podia colocar a moeda no cofrinho que escolhera; se caía na outra, tinha de colocar o dinheiro no outro cofrinho

3. Tentação
Se as pessoas fossem 100% honestas, o esperado seria que eles colocassem mais ou menos metade das moedas em cada cofrinho. Mas é claro que existe a tentação de beneficiar a si mesmo e às pessoas mais próximas

4. Deus está vendo?
O pulo-do-gato do experimento foi perguntar às pessoas se elas acreditavam em um Deus ou em deuses que punem os malfeitores e são oniscientes. Entre os que não acreditavam nesse tipo de divindade, as pessoas distantes recebiam, em média, 13 moedas; para os que acreditavam, a média foi de 15 moedas -o que indica que a crença pode ter levado essas pessoas a agirem de modo mais honesto

Para a maioria das pessoas hoje, esse tipo de figura divina não tem nada de surpreendente, já que as grandes religiões mundiais, como o cristianismo e o islamismo, baseiam-se na crença numa divindade nesses moldes.

Estudos com pequenas sociedades de caçadores-coletores (único modo de vida durante a maior parte da evolução da nossa espécie), no entanto, revelaram que tais grupos normalmente não creem em “Deuses Grandes”.

Foi então que surgiu a seguinte hipótese: talvez a crença nos tais “Deuses Grandes” tenha uma relação direta com o surgimento de sociedades complexas e de larga escala, como Estados e impérios.

Num grupo de caçadores-coletores, com umas 200 pessoas, todo mundo se conhece e não há grandes diferenças sociais, o que minimiza conflitos e desconfianças.

Quando a sociedade passa a ter milhares ou milhões de membros, pessoas precisam interagir com desconhecidos sem sucumbir à tentação de roubá-los ou cortar-lhes a garganta. A crença em deuses que monitoram e punem ações malévolas funcionaria como um antídoto a isso.

PARA TODOS OS GOSTOS

Partindo desse modelo teórico, a equipe realizou entrevistas e experimentos em comunidades de locais tão distintos quanto a Melanésia, a Sibéria, a Tanzânia e o município paraense de Soure.

“Em cada local, estimamos tanto a adoração a um ‘Deus Grande’ quanto o culto de divindades, espíritos etc. que fossem localmente importantes e, ao mesmo tempo, considerados menos moralistas, punitivos e oniscientes do que o deus supremo”, explicou Purzycki à Folha.

Entre as grandes religiões adotadas pelos voluntários do estudo estavam o cristianismo, o hinduísmo e o budismo. Curiosamente, em Marajó, o “deus local” não é alguma divindade indígena, como se poderia imaginar, mas a Virgem Maria. “As pessoas costumavam considerá-la menos onisciente e menos punitiva do que Deus, além de ser mais próxima, por sua capacidade de interceder a favor deles”, explica Emma Cohen, pesquisadora da Universidade de Oxford (Reino Unido) responsável pela parte do estudo realizada no Brasil.

Em duas baterias de experimentos, os pesquisadores instruíram os participantes a jogar dados e colocar moedas em dois cofrinhos. Dependendo do resultado da jogada, a pessoa tinha o direito de escolher em que cofrinho colocar o dinheiro –um deles era era destinado a pessoas que o voluntário não conhecia e que moravam longe dele, mas que pertenciam à mesma religião.

O detalhe crucial é que o jogador escolhia mentalmente a quem beneficiar. Assim, em tese, o natural seria que as pessoas se sentissem tentadas a fingir que os dados haviam favorecido a si mesmas ou a seus conhecidos.

Por outro lado, se o jogador fosse honesto, em média metade do dinheiro iria para cada cofrinho (15 moedas para cada lado, das 30 disponíveis para cada bateria).

Os resultados? Entre as pessoas que não acreditavam no potencial de Deus ou dos deuses de vigiar e punir, parece ter havido ligeira malandragem: só 13 moedas iam parar no cofrinho das pessoas desconhecidas, em média.

Já entre os que creem na onisciência e justiça dos “Deuses Grandes”, a média de moedas ofertadas aos desconhecidos da mesma religião era de cerca de 15.

A pesquisa não investigou, porém, se o mesmo efeito ocorreria no caso de os desconhecidos serem de outra religião. “É possível que sim, mas precisamos de mais estudos”, admite Purzycki.

Fonte: Folha/Reinaldo José Lopes

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