O que acontece numa fábrica de iPhones na China, segundo um funcionário

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Dejian Zeng é um estudante da Universidade de Nova York que contou ao site norte-americano Business Insider a história sobre um projeto de verão bem incomum. O universitário passou seis semanas trabalhando na Pegatron, uma das fábricas contratadas pela Apple na China.

O jovem de descendência asiática estuda para trabalhar em organizações de direitos humanos, e por isso decidiu se “infiltrar” numa linha de produção da Pegatron para conferir em primeira mão as condições de trabalho das pessoas pagas para construir e montar os iPhones vendidos pela Apple em todo o mundo.

Não é de hoje que a Apple é alvo de críticas pela decisão de contratar fábricas chinesas para produzir peças e montar unidades do seu principal produto. O presidente norte-americano Donald Trump, por exemplo, foi eleito sob a promessa de que faria a Apple trazer a produção do iPhone para solo americano e, assim, gerar emprego para os cidadãos do próprio país.

Por outro lado, a empresa também é criticada por ser supostamente negligente quanto às condições de trabalho nessas fábricas chinesas. Reportagens da BBC (em 2014) e da Bloomberg (em 2016) mostraram que, em diversos casos, funcionários são obrigados a trabalhar além do horário contratado em fábricas como a Pegatron.

Zeng, em uma longa entrevista ao Business Insider, contou o que viu nas seis semanas em que trabalhou na linha de produção do iPhone na China. O estudante conta que trabalhou no setor responsável por finalizar a montagem do dispositivo, e que teve contato tanto com o iPhone 7 quanto com o iPhone 6s.

O jovem era encarregado de instalar o alto-falante nos iPhones, e diz que seu trabalho, durante muitos dias, consistia em apenas prender um único parafuso à traseira do dispositivo. “É simples, mas é esse o seu trabalho. De novo e de novo, por dias inteiros”, contou Zeng. “Após alguns dias”, ele diz, “eu consigo rosquear esse parafuso de olhos fechados”.

Zeng também conta que os funcionários têm muito tempo livre após encerrar o trabalho, mas diz que dispositivos eletrônicos são proibidos no piso da fábrica, de modo que “não tem nada para fazer”. Por vezes os supervisores dos funcionários pedem até que eles “mantenham a voz baixa” enquanto conversam.

O estudante fez o turno da noite, que começa às 19h30 e dura, geralmente, oito horas, sem contar uma pausa de dez minutos e outra de 50 minutos. Ele diz que a maioria dos funcionários aproveita esses primeiros dez minutos para dormir em suas estações ou ir ao banheiro – “só dá para fazer uma coisa”, ele diz.

Na segunda pausa, os operários almoçam juntos no refeitório local. “Geralmente são três vegetais, uma carne e arroz”, comenta Zeng. Algumas pessoas aproveitam o tempo livre nessa pausa para dormir mais um pouco, em sofás “não muito confortáveis” que ficam no pátio da fábrica em áreas de recreação. Segundo o estudante, porém, é proibido deitar-se.

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Se os supervisores flagarem alguém deitado, normalmente é registrada uma advertência. Se isso acontece muitas vezes, o funcionário pode ter dinheiro do seu salário descontado no fim do mês. O mesmo vale para quem acidentalmente se esquecer das regras e levar um celular para o trabalho, o que também é proibido. Todos os dias, na entrada, os operários são revistados e passam por detectores de metal.

Apesar das oito horas de trabalho, Zeng conta que não é raro que os funcionários sejam solicitados para trabalharem até mais tarde. “Depende do dia, se é segunda, quinta ou sexta. Sexta-feira só trabalhamos duas horas a mais. Mas segunda e quinta é de duas até cinco horas extras”, conta o estudante.

No total, portanto, é comum que os funcionários da Pegatron fiquem lá dentro até 12 horas por dia, incluindo as pausas para almoço e descanso. Isso sem contar o tempo no transporte público. Quando trabalhou lá, Zeng morou num dormitório em Xangai compartilhado por outras sete pessoas, e levava cerca de uma hora para chegar à empresa.

O estudante recebeu cerca de 3.100 yuans, equivalente a quase R$ 1.400 em conversão direta, no único mês inteiro em que trabalhou lá. O valor já incluía o pagamento de horas-extras, enquanto a empresa pagava, separadamente, a moradia dele e de muitos outros funcionários. A maioria deles vêm de regiões rurais da China e, ao contrário do que muitos acreditam, não há crianças trabalhando lá.

Representantes da Apple visitam a linha de produção regularmente, conta Zeng, realizando todo tipo de auditoria. Segundo o estudante, “eles chamam a Apple de ‘o cliente’. ‘O cliente está aqui’, eles dizem”. Os funcionários sabem que estão fabricando produtos da Apple e até sabem quando a produção muda de uma geração de iPhone para outra. A segurança, especialmente os processos de vistoria e detectores de metal, se tornam mais rígidos quando a empresa começa a trabalhar num produto que ainda não foi anunciado.

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Quando a demanda pelo iPhone cresce, a produção também fica mais acelerada. Após deixar a Pegatron, Zeng conta que ouviu de ex-colegas ainda na fábrica que tiveram de trabalhar também aos domingos, chegando ficar 11 dias seguidos sem folga, quando a Apple exigiu o aumento no volume de iPhones de sétima geração produzidos.

Há também palestras e treinamentos, organizados pela Pegatron para informar aos funcionários sobre seus direitos e sobre o padrão de qualidade exigido pela Apple. A empresa deixa claro que “o cliente” não permite que os operários trabalhem mais do que 60 horas por semana, mas Zeng diz que, em épocas de maior demanda, esse limite costuma ser ultrapassado regularmente.

Em nota ao Business Insider, a Apple confirmou que realiza auditorias frequentes com as fábricas contratadas na China. Segundo a empresa, a Pegatron tem respeitado o limite de 60 horas semanais com “99% de conformidade”. Além disso, a Maçã garante que o salário pago pela fábrica é mais alto do que o salário mínimo em Xangai.

Segundo Zeng, porém, o salário base na fábrica é de 2.320 yuans (próximo a R$ 1.040), valor que é suficiente apenas para ficar dentro do salário mínimo exigido pela lei em Xangai. Não há muito interesse, por parte dos operários, em se organizar em sindicatos, porque, segundo o estudante, “eles só pensam em ganhar dinheiro, sustentar suas famílias e seus filhos. Às vezes eles nem se importam com o quão cansados estão”.

Fonte: OlharDigital

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