Juizes com medo da verdade

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Numa tentativa de perseguir repórteres do jornal paranaense Gazeta do Povo, que publicaram uma série de reportagens sobre os altos vencimentos dos membros da Justiça estadual e sobre os expedientes por eles utilizados para ganhar mais do que o teto salarial fixado pela Constituição para o funcionalismo público, os juízes do Paraná abriram contra eles 36 ações de indenização por danos morais em mais de 15 cidades do Estado. As petições iniciais são praticamente idênticas e seus signatários alegaram que foram “ridicularizados” e “ofendidos”. “Colegas de todo o Estado passaram a experimentar algum tipo de dissabor ou constrangimento, como a indagação de populares sobre super-salários”, afirmaram os diretores da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar). Os processos reivindicam R$ 1,3 milhão em indenizações e foram abertos em Juizados Especiais, que aceitam causas no valor de até 40 salários mínimos e obrigam os jornalistas a comparecerem a todas as audiências de conciliação, sob pena de serem condenados à revelia. Isso já os levou a percorrer mais de 6 mil quilômetros e os está obrigando a perder pelo menos quatro dias de trabalho por semana. Eles já sofreram uma primeira condenação, de R$ 20 mil, sob a justificativa de terem agido “de maneira equivocada e pejorativa”. O juiz que os condenou é colega de corporação dos magistrados que patrocinam essas ações. Os advogados do jornal solicitaram que esses processos fossem transferidos para o Supremo Tribunal Federal, alegando que nenhum magistrado paranaense seria isento para julgar a causa, mas a ministra Rosa Weber não acolheu o pedido. Ao justificar essa estratégia de intimidação e perseguição, a direção da Amapar alegou que, apesar de a imprensa ser livre, “abusos” por ela cometidos devem ser “reparados”. Também disse que, ao processar os jornalistas em diferentes comarcas, cada membro da magistratura estadual – uma corporação cujo rendimento médio supera em mais de 20% o teto constitucional – estaria apenas exercendo o “direito de entrar com ações no local em que reside”.malhete2 080616

O presidente da entidade, Frederico Mendes Júnior, informou os filiados que providenciou “um modelo de ação individual” para que todos processassem os repórteres do jornal, caso considerassem “conveniente”. A iniciativa foi classificada como “descabida” pela Associação Nacional dos Jornais. “O jornal fez jornalismo”, disse o diretor executivo da entidade, Ricardo Pedreira. A forma de intimidação de jornalistas adotada pelos juízes paranaenses não é nova. Há oito anos, a Igreja Universal do Reino de Deus estimulou dezenas de fiéis a abrir processos, em suas respectivas cidades, contra uma repórter da Folha de S.Paulo que publicou uma reportagem revelando o patrimônio da organização e as questões societárias de gráficas, agências de turismo, imobiliárias, emissoras de rádio e empresas de táxi-aéreo ligadas a seus bispos. As petições tinham o mesmo texto e os fiéis – como no caso dos magistrados paranaenses – se diziam “ofendidos”. Esse milagre da multiplicação de ações repetidas, obrigando a repórter a uma quase impraticável sucessão de depoimentos nos mais inacessíveis recantos do País, bem como criando constrangimentos ao exercício de sua atividade profissional, acabou sendo considerado litigância de má­-fé, por parte da Justiça. Em suas diferentes instâncias e braços especializados do Poder Judiciário, a magistratura está entre as corporações que recebem os mais altos salários do funcionalismo público. Os expedientes por ela usados para contornar o teto constitucional, sob a forma dos mais variados tipos de auxílio, são reconhecidamente imorais. O problema é que quem deveria coibi­-los são, justamente, seus beneficiários. Ao noticiar essa imoralidade, os jornalistas paranaenses só repetiram o que todos sabem – e, ao processá-­los por meio de uma ação orquestrada, alegando que se sentem ofendidos quando cidadãos que pagam impostos criticam seus super-salários, aqueles juízes estaduais mostraram o quanto têm medo da verdade.

Fonte: O ESTADO DE SÃO PAULO

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