Quem vê o Miguel de apenas seis meses quietinho no colo da mãe ou colaborando com tratamento na sala de estimulação precoce do Centro de Reabilitação de Rondônia (Cero) nem imagina que há alguns meses essas cenas não existiam. ‘‘Ele não deixava ninguém tocar nele. Só chorava’’, conta a mãe dele Maria Alciete Fuques Santos, 33 anos, que revela ainda que era difícil amamentá-lo e ele quase não dormia. ‘‘De cinco em cinco minutos ele acordava’’, revela.
A inquietação e as dificuldades neuropsicomotoras de Miguel tem justificativa. Maria teve zika logo no primeiro mês de gravidez e Miguel nasceu com microcefalia, mas tem apresentado melhoras após o tratamento multidisciplinar oferecido pelo governo de Rondônia através do Cero que tem dado atenção a esse problema de saúde pública nacional. ‘‘Quando ele nasceu e a enfermeira trouxe para mim foi aquele impacto, mas depois eu reagi bem, afinal um filho é um amor incondicional’’, disse Maria que é mãe de seis filhos.
‘‘Nos três primeiros meses ele chorava bastante. Cheguei aqui desesperada. Agora ele presta atenção, sorri, coisa que ele não fazia. O desenvolvimento dele está muito melhor’’, avalia Maria que abandonou o emprego e enfrenta sozinha o desafio de cuidar do Miguel. ‘‘O pai dele até hoje não quis saber dele’’, conta ela emocionada, mas ao mesmo tempo segura de que ser mãe de uma criança com microcefalia é um missão especial na qual encontrará forças para seguir em frente com o apoio do trabalho do Cero.
Miguel faz parte das estatísticas do surto de microcefalia devido ao zika vírus que acometeu o país nos últimos anos, mas é importante destacar que a microcefalia também tem outras causas como doenças genéticas ou infecciosas e exposição a substâncias tóxicas. Em Rondônia, de acordo a Agência Estadual de Vigilância em Saúde (Agevisa) de 2015 até o momento foram registrados 104 casos suspeitos de microcefalia no Estado, sendo 23 confirmados, 57 em investigação e 24 descartados.
E foi pensando em garantir a qualidade de vida dessas crianças assim como aquelas que também apresentem algum tipo de transtorno psicológico, neurológico ou físico que o Cero inaugurou há quase um mês a sala de estimulação precoce.
A sala é colorida, tem balanço; orbitador; bolas; equipamentos de estimulação sonora e visual; tapete emborrachado e até piscina de bolinhas. Um ambiente lúdico e bem estrutura para garantir resultados positivos no tratamento dos pacientes. ‘‘O governo de Rondônia percebeu a necessidade de um ambiente adequado para atender essas crianças em áreas especificas como fisioterapia, psicologia; terapia ocupacional e fonoaudiologia. Essa sala permite que esses profissionais atuem em conjunto multidisciplinarmente, interdisciplinarmente ou individualmente’’, afirma o coordenador geral do Cero, Rodrigo Moreira Campos.
Localizado na capital do Estado, na rua Petrolina, bairro Mariana, o Centro de Reabilitação antes mesmo da inauguração da sala de estimulação precoce já estava prestando atendimento a crianças com microcefalia. Segundo o coordenador, o Cero atende cerca de 250 crianças, dessas aproximadamente 100 tem entre zero e três anos e entre 20 a 25 são pacientes com microcefalia.
Para o coordenador, a sala de estimulação precoce é um reflexo da prioridade que a saúde tem ganhado na gestão do governador Confúcio Moura. ‘‘O próprio Centro de Reabilitação é reflexo do pensamento humano de Confúcio Moura’’, avalia.
A sala é direcionada a crianças de zero a três anos, período importante para o desenvolvimento neuropsicomotor. Segundo o coordenador, não existe profissionais específicos para sala, mas o espaço está aberto a todos os profissionais do Cero que percebam a necessidade de usar o ambiente para melhoria no tratamento do paciente.
‘‘Com a sala de estimulação precoce, eles têm mais espaço e mais meios para avaliação e foge daquele padrão de profissional de um lado e paciente do outro lado da mesa. Isso cria um vínculo muito maior entre os profissionais de reabilitação e os pacientes’’, Rodrigo Moreira Campos, coordenador do Cero
O Cero possui em seu quadro de profissionais, uma psicopedagoga, quatro psicólogos, 13 fisioterapeutas, sendo três para atendimento infantil, cinco fonoaudiólogas, uma assistente social, dois profissionais para triagem e cinco terapeutas ocupacionais.
‘‘Com a sala de estimulação precoce, eles têm mais espaço e mais meios para avaliação e foge daquele padrão de profissional de um lado e paciente do outro lado da mesa. Isso cria um vínculo muito maior entre os profissionais de reabilitação e os pacientes’’, destaca Rodrigo Moreira Campos. Os pacientes com microcefalia chegam ao Cero através de encaminhamento e são atendidos como demandas emergenciais e urgências.
A terapeuta ocupacional especialista em saúde mental, Iuska Rabelo, explica que as crianças com microcefalia apresentam um atraso no desenvolvimento. ‘‘São pacientes que têm atraso neurológico devido à microcefalia que tem como consequência a diminuição do encéfalo. Se com um ano a criança já tem que rolar, engatinhar e sentar, a criança com microcefalia infelizmente não vai fazer isso. Então através da sala de estimulação precoce nós os estimulamos com técnicas para que entre um ano e meio a dois anos também consigam fazer todo esse processo. A estimulação precoce é de suma importância para essas crianças’’, avalia.
Ela também destaca que o trabalho conjunto com a família faz a diferença nos resultados tanto que durante as sessões de tratamento que duram de 40 a 50 minutos os pais são orientados sobre técnicas simples, mas importantes que devem ser feitas com as crianças em casa. ‘‘Nós já temos resultados gratificantes como crianças que chegaram ao Cero sem andar e hoje em dia já estão andando. Temos outro caso de uma criança que passou a ter controle cervical e ainda tem outros que tiveram boas respostas em relação ao cognitivo’’, afirma Iuska.
E os impactos passaram a ser ainda mais positivos com a recente inauguração da sala de estimulação precoce. ‘‘Nós temos materiais suspensos, escadas, bolas, outros recursos para o tratamento dos pacientes, antes somente no tatame eu não conseguiria realizar ou teria dificuldade’’, afirma.
Outra profissional que também aprovou a proposta da sala precoce de estimulação foi a fisioterapeuta Maria Elisa Soares. ‘‘Sempre precisamos de coisas novas e nossa clientela de neurologia infantil tem aumentado bastante. E é importante começar esse trabalho com as crianças logo no primeiro ano de vida que é quando a criança tem mais condições de se desenvolver. É o que chamamos de plasticidade neural, o cérebro formando novas células nervosas com objetivo de suprir outras que foram lesadas. É uma reorganização neurológica’’, explica.
Para a psicóloga infantil Marlene Mazarelo Vieira de Azevedo Rodrigues, o amparo psicológico para os pais de crianças com microcefalia é fundamental. ‘‘Quando você planeja um filho ou essa gravidez acontece você espera que essa criança venha com saúde física e mental, quando nasce com dificuldade é natural que tenham um impacto e o primeiro impacto para os pais é negativo. A rejeição, às vezes não de aceitar a criança, mas a doença ou aquela condição porque ser mãe já é um desafio, imagina de uma criança que tem alguma dificuldade’’, considera.
E completa: ‘‘Depois desse primeiro impacto vem à conscientização de que aquele filho é dela e precisa fazer alguma coisa por ele e ao mesmo tempo surge o sentimento de culpa e de se se questionar onde foi que errou, o que deixou de fazer para que a criança nascesse com aquela dificuldade. É nessa hora que tem que entrar o profissional dando o suporte psicológico’’, afirma. Ela deixa uma mensagem à mãe de crianças com microcefalia. ‘‘Deus não dá um filho para qualquer pessoa, se ele deu para essa mãe é porque ela está capacitada para cuidar desse filho. E nós percebemos que muitas dessas mães nos relatam que esses filhos foram bênçãos, pois mudaram valores e a forma de enxergar a vida’’, revela a psicóloga.
E não é só o ampara psicológico e médico que o Cero oferece. A assistência social trabalha em conjunto com os profissionais para aquisição de benefícios. Segundo a assistente social Marcia Lima Benarrosh, o público é formado em sua maioria por pessoas de baixa renda e provenientes de famílias desestruturadas. ‘‘Eu converso com elas para saber suas dificuldades, limitações, às vezes há dúvidas de como conseguir um benefício, orientamos sobre as garantias que a lei preconiza para as condições deles’’, disse.
A assistente conta que orientações básicas às mães dos pacientes são de fundamental importância. ‘‘São muitas informações que elas recebem aqui dos profissionais, então eu faço um roteiro para elas, por exemplo, para qual médico ela deve pedir laudo, anoto informações importantes que elas devem repassar aos profissionais de determinadas especialidades. Tudo fica anotadinho para elas não esquecerem’’, afirma Marcia.
Marcia ainda destaca que os pacientes e familiares são orientados sobre os direitos como o passe livre no transporte público. De acordo com o coordenador geral, o Cero também fornece um van especial para locomoção de pacientes de segunda a sexta-feira, inclusive Maria, mãe de Miguel usufrui deste benefício. ‘‘Antes eu pagava duas passagens para ir e mais duas para voltar. Agora com a Van, eles pegam e deixam em casa’’, comemora. Serviços que mostram que Rondônia vive uma nova etapa na Saúde Pública, onde a dignidade humana está em destaque.
Fonte: Secom