Para o Ministério da Agricultura, operação Carne Fraca exagerou na narrativa; mas, afinal, o que está liberado (ou não) no processamento das carnes?
São Paulo – Na última semana, a Operação Carne Fraca, a maior da história deflagrada pela Polícia Federal, levantou uma série de dúvidas sobre o que pode ou não ser adicionado na elaboração de carnes.
O Ministério da Agricultura, contudo, avaliou como exagerada a narrativa sobre o caso.
Segundo o ministro Blairo Maggi, algumas das medidas apontadas como irregulares pelos investigadores são, na verdade, práticas autorizadas no setor. Além disso, segundo ele, os problemas eram pontuais e não refletiam a realidade dos mais de 4 mil frigoríficos do país.
Mas, afinal, o que está liberado (ou não) no processamento das carnes?
EXAME.com conversou com especialistas em inspeção de produtos de origem animal e engenheiros de alimentos para esclarecer o que é permitido nesses casos. Veja a seguir.
Conservantes: itens necessários dentro de um limite
Algumas substâncias são adicionadas nas carnes com o objetivo de conservar o alimento, realçar o sabor e até mesmo controlar bactérias. O ácido ascórbico, popularmente conhecido como vitamina C, por exemplo, é um desses ingredientes químicos que são utilizados para conservar o alimento.
De acordo com Afonso de Liguori, médico-veterinário, Professor Titular do Departamento de Tecnologia e Inspeção de Produtos de Origem Animal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a indústria coloca esse elemento nas carnes para evitar que ocorra a oxidação, que nada mais é do que uma reação de degradação das gorduras no produto.
“O ácido ascórbico é uma substância antioxidante de origem natural que tem a função de garantir que não haja alteração no sabor do produto” afirma.
Liguori explica que, respeitando a dosagem, os antioxidantes e conservantes não oferecem risco à saúde. A mesma lógica vale para o nitrito e o nitrato, que auxiliam no controle de bactérias e também servem para manter a cor rosada nos produtos cozidos, como no presunto. “Essas substâncias só se tornam tóxicas ou cancerígenas se usadas em grande quantidade, acima dos limites legais permitidos”, diz.
A proporção máxima para esses aditivos é de 150 miligramas para cada quilo de produto. Segundo os investigadores da operação Carne Fraca, produtos de uma das empresas suspeitas apresentavam proporção superior ao limite permitido. Segundo os especialistas, o aumento na dosagem ajuda a estender a validade da carne, e, nesse caso, pode ser cancerígeno.
Veja aqui o regulamento técnico que estabelece os limites para cada aditivo.
Água nos frangos: um tipo de fraude comum
Especialistas consultados por EXAME.com relataram que a absorção irregular de água em frangos é um tipo de fraude comum, e antiga, realizada pelos frigoríficos. Em termos práticos, a injeção do líquido na carne serve para aumentar o peso.
“O processo de resfriamento do frango passa por uma imersão em tanques de água, o que gera uma absorção natural de líquido no produto”, descreve Anirene Galvão, engenheira de alimentos e doutora em Tecnologia dos Alimentos.
Segundo ela, o Ministério da Agricultura determina que o volume de água não pode ultrapassar 8% do peso total da carcaça de ave.
Para ela, a brecha para fraudes pode acontecer por conta de falhas na fiscalização. “Existem máquinas com pequenas agulhas que perfuram e fazem a ‘injeção extra’ de água no frango”, diz. “Para barrar a absorção superior ao índice permitido, o fiscal precisa acompanhar todo o processo e retirar algumas amostras nos frigoríficos para análise”.
O transporte dos frangos é outra operação que exige cuidados específicos. De acordo com a legislação vigente, o alimento deverá ter uma embalagem primária antes de seguir para o depósito onde é feita a montagem em caixas de papelão (embalagem secundária).
Segundo Anirene, o frango não deve entrar em contato com o papelão em hipótese alguma. “Esse material é reciclado e não pode ser higienizado. O contato direto pode contaminar a carne”, afirma.
Linguiças, salsichas e mortadelas: do que elas podem ser feitas
Cada um desses produtos possui uma composição diferente de matéria-prima. No caso de alguns tipos de linguiça cozida, como a calabresa, por exemplo, é permitido usar até o limite de 20% de Carne Mecanicamente Separada (CMS), que consiste em uma mistura com outros tipos de carne retiradas dos ossos do boi, frango ou porco.
A CMS, porém, é proibida em linguiças que não foram submetidas ao processo cozimento e permanecem cruas e dessecadas.
O regulamento técnico também detalha quantidades mínimas de nutrientes. No caso das linguiças, o teor de gordura deve estar entre 30% e 35%, a proteína entre 12% e 14% e o cálcio entre 0,1% e 0,3%. Veja aqui todas as exigências técnicas.
Já na fabricação das salsichas, as CMS de diferentes espécies de animais são permitidas entre o limite de 40% a 60% da sua composição. A legislação exige que o teor de gordura não ultrapasse 30% e que haja, pelo menos, 12% de proteína. Veja aqui todas as exigências técnicas.
Na matéria-prima das mortadelas, as carnes mecanicamente separadas também podem ser adicionadas com limites entre 20% e 60%. O regulamento exige que a gordura do produto fique entre 30% e 35% e que tenha no mínimo 12% de proteína. Veja aqui todas as exigências técnicas.
Salmonela em carne de aves: coloca no fogão
De acordo com o Ministério da Agricultura, a Salmonela é uma bactéria comum no trato gastrintestinal dos animais e, no caso das aves, é um problema mundial para o qual não há medidas efetivas para eliminá-la da carne crua.
“Quando detectados lotes positivos para as salmonelas de relevância em saúde pública, a legislação prevê que os produtos sejam destinados ao processamento térmico de cozimento que assegure a destruição do patógeno”, afirma o ministério em nota enviada a EXAME.com.
Segundo o médico-veterinário da UFMG Afonso de Liguori, quando o produto não é armazenado em sua temperatura adequada, a bactéria que vive naturalmente dentro da carne pode se multiplicar.
Por isso, a forma mais eficaz de eliminar a Salmonela é consumindo o alimento cozido e bem passado. “Com o aquecimento adequado da carne, a bactéria sempre vai morrer”, diz.
Recomendações básicas para consumidores
Liguori ressalta algumas recomendações de segurança para o consumidor: segundo ele, os brasileiros devem observar a integridade da embalagem da carne, checar as datas de fabricação e validade do produto e verificar se o rótulo de qualidade não foi modificado.
“O ideal é que haja uma co-participação entre o cidadão e o agente fiscal na hora de fiscalizar os alimentos de origem animal”, diz Liguori.
A engenheira de alimentos Anirene Galvão acrescenta que também é importante ficar de olho na coloração. “Se a cor da carne está muito vermelha, esse pode ser um sinal de presença de corantes no produto”, afirma. “Além da cor, a textura e o cheiro precisam ser verificados pelo consumidor. E claro: em caso de irregularidade, o cidadão deve acionar o gerente do estabelecimento”.
Fonte: EXAME.COM