Pela primeira vez, o Brasil semeou soja selvagem para estudar seu comportamento e identificar suas diferentes características. Ao todo, foram avaliadas 21 espécies, a maioria originária da Austrália. A regeneração e o armazenamento dessas sementes permitem ampliar a variabilidade genética da soja.
As espécies foram armazenadas no Banco Ativo de Germoplasma (BAG), uma coleção de sementes mantida pela Embrapa Soja em Londrina (PR), considerado o terceiro maior banco da leguminosa no mundo com cerca de 35 mil acessos. O trabalho de regeneração e catalogação dessas espécies começou a ser feito nas casas de vegetação da Embrapa Soja no início de 2016 e está praticamente concluído. “É a primeira vez que essas sementes foram catalogadas no Brasil dentro de casas de vegetação”, conta o pesquisador Marcelo Fernandes de Oliveira, curador do BAG da Embrapa Soja.
“Ao contrário da soja semeada atualmente, que é originária da China (Glycine max), a soja selvagem ainda é pouco conhecida, mas traz embutidas características que poderão influenciar o futuro dos programas de melhoramento genético”, avalia Fernandes. “Apesar de a soja selvagem ser pouco estudada, sabemos que seu genoma é diferente do genoma da soja cultivada e que tem fontes de resistência a várias doenças e pragas”, avalia.
A Embrapa recebeu as sementes selvagens por meio de uma parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos e com a Universidade de Sydney, na Austrália. De acordo com o pesquisador, muitas das sementes selvagens são similares a grãos de mostarda. As plantas são trepadeiras como o feijão e têm folhas redondas e estreitas, ou seja, muito diferentes da soja cultivada.
“Todo plantio, colheita e debulha das plantas vêm sendo feitos à mão. Esse trabalho é muito minucioso e exige concentração e cuidado de empregados dedicados apenas a essa atividade, para evitar mistura e não haver contaminação entre as sementes”, diz o curador do BAG.
Aplicação prática da soja selvagem
Além do curador do BAG, dois técnicos e um operário de campo administram o Banco. A equipe realiza um trabalho sistemático de catalogação e multiplicação dessas sementes, identificando suas diferentes características, como produtividade, porte de planta, ciclo, resistência a doenças, sabor, tolerância à seca, entre outros.
Depois de catalogadas, essas plantas ficam disponíveis para serem cruzadas com outras plantas, passando a fazer parte do programa de melhoramento genético. “Temos que catalogar e conhecer essas fontes genéticas porque, caso contrário, não teremos como utilizar toda essa riqueza”, explica Fernandes.
De acordo com o pesquisador, primeiramente serão identificadas fontes de resistência para três doenças severas para o grão: ferrugem-da-soja, cancro-da-haste, e cercospora. “Queremos avaliar esses acessos para cancro-da-haste e cercospora, porque são doenças que já causaram grandes prejuízos no passado e hoje são usadas apenas uma ou duas fontes de resistência em todo Brasil”, diz.
O pesquisador conta que já se sabe que a Glycine tomantela, uma das espécies de soja selvagem, tem genes de resistência à ferrugem-asiática, mas a ideia é identificar outros genes e usá-los para melhorar a soja comercial ou mesmo garantir novas estratégias de manejo. “Estamos buscando identificar e introduzir genes que ampliem a tolerância à ferrugem para reduzir, por exemplo, o número de aplicações de fungicidas”, conta Fernandes. Também é objetivo fazer melhoramento genético preventivo, ou seja, ter fontes genéticas para evitar quebras de resistência futuras. “Além disso, precisamos estar preparados para doenças com potencial risco de ser introduzidas no País”, alerta.
Banco Ativo de Germoplasma: patrimônio nacional
Por que algumas plantas de soja são mais produtivas, outras têm maior teor de proteína e há ainda as que são resistentes a diferentes tipos de doenças? Isso ocorre porque elas comportam diferentes características genéticas e essas diferenças são importantes para produzir variedades específicas para diversos desafios encontrados no campo.
A fim de preservar a variabilidade genética, a Embrapa Soja mantém no Banco Ativo de Germoplasma uma coleção de aproximadamente 35 mil acessos (tipos de soja) introduzidos da coleção dos Estados Unidos e de outros países da África, Europa, Ásia, Oriente Médio e Oceania. “Quanto mais acessos diferentes e caracterizados, melhor será sua utilização nos programas de melhoramento para desenvolvimento de novas variedades,” esclarece Fernandes.
O BAG da Embrapa conta com as espécies selvagens, com exemplares das cultivadas na China há mais de cinco mil anos, até sementes utilizadas comercialmente no Brasil. A Glycine max, hoje uma das mais importante commodities mundiais, é muito diferente das suas ancestrais que lhe deram origem. De acordo com Fernandes, a evolução da soja começou com o aparecimento de plantas oriundas de cruzamentos naturais, que foram domesticadas e melhoradas por cientistas da antiga China.
Criado em 1976, o BAG da Embrapa passou por diversas mudanças e ampliações e hoje é o terceiro maior Banco de sementes de soja do mundo. No caso da Embrapa, o acesso a essas características foi determinante para modernizar completamente a genética do portfólio das cultivares BRS. “Hoje nosso portfólio é o mais completo do mercado, porque temos soja para atender às diferentes necessidades do produtor como precocidade, hábito indeterminado, reação a novas doenças e alto potencial produtivo”, comemora.
Para manter essas sementes, a Embrapa Soja dispõe de uma estrutura que foi remodelada, em 2011, e está totalmente automatizada. As sementes são mantidas em câmara fria a 5ºC, com 25% de umidade, o que garante sua sobrevivência por longos períodos. “É um patrimônio nacional, que garante o desenvolvimento de melhores cultivares e torna o Brasil mais produtivo”, explica Fernandes.
Fonte:Embrapa – Lebna Landgra