Viúva há 25 anos, Beatriz Silva Lima, dona Bia, 79, seis filhos, está imóvel na cama. Alimenta-se por gastrostomia, ingere água seis vezes por dia e recebe de 15 em 15 dias a dosagem de quetiapina e risperidona [usados para o tratamento de depressão e transtorno bipolar]. Até 2019 estima-se que 330 mil pessoas consumam esses e outros medicamentos no Brasil.
Não fosse a presença diária de duas filhas e da equipe Buritis do Serviço de Atendimento Médico Domiciliar (Samd), não teria resistido tanto. A equipe chegou à casa de dona Bia numa manhã, no bairro JK II, para aliviar-lhe a dor. Assim, exemplo do que faz atualmente com outros 233 pacientes das zonas leste, norte, sul e centro de Porto Velho.
Antes de entrar no quarto, a médica Elza Gabriela de Barros Pereira apresenta a cuidadora Denise da Silva, que permanece a manhã toda com a mãe, revezando-se no início da tarde com a irmã Iaci.
Denise conta que a mãe foi casada com o soldado da borracha (seringueiro) cearense José Ferreira Lima, já falecido. Conversava muito, via TV, cuidava das coisas do lar, tinha vida comum, até 2015, quando médicos lhe constataram demência secundária. “O Alzheimer progrediu, ela teve AVE [acidente vascular encefálico] e em seguida, pneumonia broncoaspirativa; foi internada no Hospital João Paulo II e quando teve alta, voltou aos cuidados do Samd”.
Pneumonia broncoaspirativa ocorre com a entrada de líquidos, secreções do próprio corpo ou outras substâncias, da via aérea superior ou do estômago para dentro dos pulmões.
Depois de nova temporada no JP II, outras infecções vieram. “Aí, dona Bia passou aos cuidados do Programa Saúde da Família na Policlínica Hamilton Gondim, piorou por causa das lesões, e veio a pneumonia de repetição”, relata a médica Elza Gabriela.
Há pacientes do Samd sem perspectivas de cura. A situação de dona Bia evidencia um dos propósitos das equipes: atenuar a dor e dar conforto à pessoa até o último dia de vida, se ela estiver sob seus cuidados.
TERAPIA E CUIDADORES
Nebulização, aspiração de vias aéreas (sugador) são aplicados em pacientes com semelhante quadro de saúde. Na parede do quarto está o roteiro da atuação das cuidadoras – as filhas Denise e Iaci – e no prontuário do Samd leem-se: datas das visitas, sinais vitais da paciente, nomes das profissionais, controle de sonda e evoluções médicas e prescrições de medicamentos.
A equipe dá o apoio matricial à família da doente. Trata-se de arranjo organizacional que viabiliza o suporte técnico para as equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde.
“Verificamos a situação da pessoa e temos então condições de indicar os próximos passos”, explica a técnica de enfermagem Helena Martinha Vitor da Luz.
“Nós trazemos o auxílio terapêutico, mas são os bons cuidados que fazem o paciente sofrer menos”, comenta a psicóloga Golda Paiva de Carvalho.
De toda a intervenção da Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) na vida de pacientes atendidos em casa, o bom resultado decorre do afeto. Em longas caminhadas pela periferia de Porto Velho, Golda e as quatro equipes do Samd notam que a rotatividade de cuidadores é essencial.
“Cuidador e cuidadora, muitas vezes não suportam dar conta do paciente, deixam de cuidar de si próprios, esgotam-se, e beiram o estresse”, ela explica. “E quando veem que o paciente não tem mais chance de sobreviver, entram em sofrimento”, acrescenta.
“Nós trazemos o auxílio terapêutico, mas são os bons cuidados que fazem o paciente sofrer menos”, Golda Paiva, psicóloga
Assim, toda a vez em que ocorre um óbito a psicóloga e a assistente social visitam novamente a família para acompanhar o sentimento de luto de cuidadoras e cuidadores. A interação e a fraternidade também.
“De 12 em 12 horas, nossas equipes aplicam injeções, verificam o uso de remédios, diagnosticam todos eles, participam da vida dessas famílias” comenta a coordenadora do Samd, Sâmia Rocha.
O serviço atende exclusivamente a cidade de Porto Velho, mas já alcançou a Estrada dos Japoneses e o bairro Jerusalém da Amazônia [zona rural], ela informou.
O Samd recebe em média 50 solicitações mensais de atendimentos feitas pelo Centro de Medicina Tropical de Rondônia (Cemetron), Hospital de Base Ary Pinheiro, Hospital Pronto-Socorro João Paulo II e Hospital Santa Marcelina, em Porto Velho.
A maioria dos pacientes atualmente atendidos tem diabetes e hipertensão. Pessoas com problemas mentais são encaminhadas ao Centro de Atendimento Psicossocial Madeira-Mamoré.
EQUIPAMENTOS
Ao todo, as equipes percorrem 500 quilômetros por dia dentro do município. Dela também fazem parte nutricionistas, assistentes sociais e motoristas.
O mais recente reforço de equipamentos ao Samd foi liberado: 100 nebulizadores, 100 aspiradores portáteis, 80 suportes de soro, um aparelho de eletrocardiograma, entre outros itens para uso dos pacientes.
Assistente social, fisioterapeuta, nutricionista e psicóloga compõe o grupo que atende em domicílio. A equipe completa incorpora médica, enfermeira e técnico de enfermagem.
Segundo a coordenadora Sâmia Rocha, o transporte de pacientes conta diretamente com o apoio do Hospital João Paulo II.
Ela elogia a atuação de hospitais e, ainda, do Laboratório Estadual de Patologia e Análises Clínicas (Lepac), Laboratório Central de Saúde Pública de Rondônia (Lacen) e Almoxarifado da Sesau, que auxiliam, respectivamente, nos exames e fornecimento de medicamentos em geral.
Ao receberem alta das equipes do Samd, os pacientes passam à responsabilidade do Programa de Saúde da Família na Secretaria Municipal de Saúde de Porto Velho.
Fonte: Secom