RONDÔNIA PERDE SUA RAINHA
Reginaldo Trindade[1]
“Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, outros para o opróbrio eterno. Mas os que tiverem sido sábios brilharão com o firmamento; e os que tiverem ensinado a muitos homens os caminhos da virtude brilharão com as estrelas, por toda a eternidade…” (Daniel 12, 1-3)
Não tive a graça – ou a desventura, depende do ponto de vista – de estar com ela em seus últimos momentos, mas poderia apostar que estava sorrindo e/ou soltando uma de suas tiradas geniais, que só ela conseguia fazer. Sua presença de espírito e carisma eram impressionantes, raramente igualados.
Já é ruim perder pessoas queridas, que dirá numa época como esta do ano, em que todos sorriem e festejam, como se nada de errado houvesse na humanidade, como se todos os homens fossem mesmo felizes. Agora, imagine essa tristeza multiplicada milhares de vezes. Imagine a dor de uma cidade inteira – órfã de sua mãe, de sua provedora, de sua rainha.
Espigão D’Oeste está sangrando. Rondônia também. Sangue e lágrimas ofuscaram o brilho das luzes de Natal. Em plena antevéspera da data de nascimento do Menino, deixou-nos a mais festejada mulher (no mínimo, proporcionalmente falando) do estado.
Vi várias pessoas chorando, sobretudo as mais humildes. Aliás, quanto maior a humildade das pessoas, maior parecia ser a consternação, a dor, a sensação de verdadeira perda.
Numa época em que a virtude, infelizmente, nem sempre tem prevalecido na política em Rondônia e no Brasil, eufemismo proposital, quantos arrancariam sinceras lágrimas dos pobres?
Os mais pobres de Espigão sabiam o que haviam perdido…
Vi muitas faixas de reverência e agradecimento. Diversas escolas manifestando gratidão. Sucessivos aplausos. Todos merecidos!
Ser reverenciado pelos mais desvalidos e por professores, que benção pode ser maior?
Dever-se-ia medir o valor das pessoas pelo choro dos mais humildes – especialmente se se cuidar de quem abraçou a política, “profissão” em que é mais comum se alardear, às vezes estridente e insistentemente, que se trabalhará pelos mais desafortunados.
A promessa, não raro, distancia-se das ações, como o céu da terra. A deputada, no entanto, fez do trabalho pelos mais carentes sua vida.
O cortejo desfilou pelas principais ruas da entristecida cidade. Na Sete de Setembro (principal artéria), praticamente todo o comércio fechou as portas (isso mesmo, em horário comercial, na antevéspera de Natal!) e os empregados ficaram na frente, olhando o féretro passar. Muitos comovidos. Vários abraçados… Cena de arrepiar!
A tristeza local contrasta com a alegria do céu, encantado por receber uma pessoa tão espirituosa e divertida, de imenso coração e extraordinário poder para cativar multidões.
A trajetória política – do alto de três mandatos de prefeita (um dos quais, o honroso título de primeira mulher eleita prefeita na Amazônia) e quatro como deputada estadual – poderia ser realçada, dentre tantos feitos extraordinários, mas não falaremos disso.
Chamaremos a atenção do leitor apenas para um fato curioso. Numa certa eleição, ela conseguiu a proeza de conquistar 99% (noventa e nove por cento!) dos votos de uma determinada seção eleitoral. Nem ditadores alcançam uma quase-unanimidade como essa. O Amor é mesmo mais forte e poderoso que a bala…
Esse pitoresco episódio, que poderia ser ladeado por incontáveis outros, bem evidencia o quão era ela querida pelo povo de Espigão D’Oeste. Pelo povo rondoniense.
Uma amiga me afirmou o tanto que a deputada se entregou para que a Caravana da Esperança acontecesse, “trabalhando com o coração”; bem como “era nítida sua preocupação com os índios”. “Entregou-se não só na caravana; preocupava-se não apenas só com os índios”, permiti-me acrescentar.
Essa expedição – a Caravana da Esperança – foi organizada em prol do Povo Cinta Larga, que, não apenas “só” por isso, era devedor da imensa boa vontade da parlamentar. No bonito painel que foi feito em homenagem a ela, posto à entrada da igreja matriz – local do velório, umas das tantas fotografias de momentos singulares retratava, justamente, a caravana.
Num vídeo produzido por algumas lideranças Cintas Largas, eles realçam a tristeza de toda a comunidade. A deputada “partiu deixando projetos e muita esperança. O Povo Cinta Larga está se sentindo sem mãe”.
A deputada vivia uma vida simples em Espigão D’Oeste, com os seus filhos – naturais, adotados e, às vezes, até agregados (alguns dos quais provavelmente ela sequer sabia que eram seus). Muitos se descobriram filhos dela após o seu passamento. Todos estão órfãos.
Ela sofria por cuidar do marido enfermo. Seu calvário já durava anos. Chegava a verter lágrimas em público. Teve a felicidade de ir antes dele…
A morte deveria servir para que meditássemos sobre a vida.
Ela é a coisa mais certa e inevitável que existe. Quando nascemos, única coisa que é certa, que vai ocorrer mesmo, é a morte; mas, nada obstante, relutamos tanto em aceitá-la. Tudo o mais pode ser evitado ou moldado; a morte, não.
Quanto mais virtuosa a vida, mais festejada há que ser a morte, porque, em última análise, significa o caminho para a vida eterna, o descanso no paraíso, no céu. A morte é só o começo para uma vida melhor, para a verdadeira vida.
“A hora chega e ninguém sabe quando. Assim, vivamos intensamente cada momento – como se fosse o primeiro, o último, o único. Vivamos uma vida virtuosa; vivamos para fazer o bem às pessoas, para semear o Amor…”, concluí naquela mesma mensagem à minha amiga.
E sigo com a ladainha.
Aproveitemos a vida. Desfrutemos da companhia das pessoas que amamos. Uma hora, sem qualquer aviso, elas não estarão mais entre nós. Dizem que nós nos encontraremos no paraíso, mas sabe lá se sequer nos reconheceremos uns aos outros! Por que não vivemos – ou tentamos viver – o paraíso aqui mesmo na Terra?
Para os tantos que tiveram o prazer e honra de conversar com a deputada, sabiam de sua imensa presença de espírito. Uma singela conversa poderia render muitas gargalhadas.
Reproduzo abaixo algumas mensagens trocadas com a parlamentar por ocasião de uma audiência pública no Senado Federal, onde levamos a Questão Cinta Larga à mais alta casa do parlamento brasileiro…
“Deputada: Deus te ilumine na audiência. Essa é verdadeira. Essa merece prêmio internacional. Abraços.
Procurador: Muito obrigado, especialmente por sua ajuda.
Deputada: Ah, quem me dera poder te ajudar, lindão!
Procurador: A Sra. já ajuda. Ajuda com no mínimo oração e pensamento positivo. Quer ajuda melhor que essa???
Deputada: Isso é verdade. Tudo o que quero para meus filhos desejo para o Senhor. É de coração também por você ser um dos poucos homens públicos que é reto, íntegro, incorruptível e imparcial. Vou parar de puxar o saco, né, fio!!!”
Sentiremos eterna saudade das aprazíveis conversas, quando o riso sempre estava presente, assim como o aprendizado. Fique em paz, Lúcia Tereza Rodrigues dos Santos.
[1] Procurador da República. Responsável, no Estado de Rondônia, pela Defesa do Povo Cinta Larga desde abril/2004. Pós-Graduado em Direito Constitucional. Membro da Academia Rondoniense de Letras.