A comunicação bidirecional do intestino com o cérebro pode esconder a cura para várias doenças, inclusive distúrbios psiquiátricos como o autismo, ansiedade e depressão.
Para ilustrar a relação cérebro-intestino basta lembrar de fatores que alteram a frequência das idas ao banheiro. Situações de stress, ansiedade e mudanças de ambiente são os mais comuns. O que a ciência está conseguindo provar agora é que essa relação não é uma via de mão única: assim como o intestino é sensível às alterações químicas do cérebro, a microbiologia da flora intestinal também pode ter influência sobre o comportamento.
Nessa complexa comunicação bidirecional, que envolve trilhões de microrganismos – sobre os quais muito pouco ainda se sabe -, pode estar a cura para várias doenças, inclusive distúrbios psiquiátricos como o autismo, ansiedade e depressão. Para microbiologistas e outros cientistas envolvidos em estudos que analisam a relação do microbioma com o cérebro, a sofisticação nesse campo poderá reverter a imagem de que descobertas sobre saúde mental restringem-se a interesses comerciais de poucos laboratórios.
Recentemente, pesquisadores do departamento de psiquiatria da Universidade de Oxford, na Inglaterra, mostraram que cuidar da microbiota do intestino é uma forma eficaz de combater o stress. Em um estudo feito com 45 pessoas, foi comprovado que, depois de três semanas, aquelas que fizeram tratamento com probiótico (suplementos de bactérias benéficas encontradas na flora intestinal), apresentaram níveis mais baixos de cortisol que o grupo que recebeu placebo.
Há décadas, o fato de portadores de autismo geralmente apresentarem disfunções gastrointestinais vem servindo de ponto de partida para inúmeras e isoladas pesquisas que apontam diferenças na composição da flora intestinal de crianças com esse diagnóstico. Em vários experimentos, mudanças na alimentação, com eliminação de glúten e lactose e tratamento com probióticos, se mostraram eficazes na redução de sintomas como motivação e habilidades sociais.
Em 2013, pesquisadores da Universidade do Arizona constataram que crianças autistas apresentam uma diversidade menor de bactérias na flora intestinal, especialmente de três organismos importantes na digestão de carboidratos e fermentos: Prevotella, Coprococcus, and Veillonellaceae. Estudo mais recente da mesma universidade constatou no intestino de autistas nível menor de metabolitos responsáveis pela biossíntese de neurotransmissores, o que poderia levar a alterações nas funções cerebrais.
Ainda não se sabe a causa dessas diferença e é cedo para afirmar se tratamentos baseados na diversidade do microbioma podem reverter ou minimizar os sintomas. Mas pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia apostam nessa possibilidade. Em um estudo com ratos com a flora modificada e que apresentavam sintomas parecidos com os de autismo – ansiedade, falta de interação social e distúrbios gastrointestinais -, doses de um probiótico (B. fragilis) reverteram o quadro.
Considerado nosso segundo cérebro, o intestino abriga cerca de 100 trilhões de microrganismos – dez vezes mais que o número de células do corpo. Pouco ainda se sabe sobre essas criaturas que hospedamos, mas é certo que somos interdependentes. São elas que processam e absorvem os nutrientes que ingerimos e também para produzir neuromoduladores e neurotransmissores envolvidos nas emoções e comportamento – como serotonina, dopamina, acetilcolina, adrenalina e GABA. Cerca de 90% do total de serotonina encontrada no corpo está no intestino.
Sinais enviados pelos micro seres que habitam o intestino viajam pelo corpo por meio do sistema nervoso, hormônios e sistemas imunológico. A comunicação com o cérebro envolve diversas regiões ligadas à memoria, emoção e cognição. O córtex insula, por exemplo – área importante para a mente intuitiva e e envolvida em sensações de medo, ansiedade, empatia – é altamente integrado a informações sensoriais enviadas pelos órgãos, sendo afetado por sinais emitidos por microrganismos do intestino.
Na batalha pela vida, cada espécie se garante reproduzindo-se sempre que o ambiente está favorável a isso. Dependendo da qualidade e quantidade de alimentos que chegam a eles, alguns desses organismos encontram condições perfeitas para se proliferarem, enquanto outros são eliminados – um desequilíbrio que leva problemas de saúde e comportamentais. Além dos estudos com autistas, existem evidências de que alterações na diversidade da microflora provocam depressão, ansiedade e reatividade ao stress.
Um dos maiores centros mundiais de estudos sobre a relação cérebro-intestino encontra-se na Universidade de Cork, na Irlanda, onde foram feitas descobertas surpreendentes em pesquisas com ratos. Estudos recentes comprovaram que os animais axênicos (sem germes) apresentam diferenças nos níveis de neurotransmissores e uma resposta exagerada a situações de stress e uma maior sensibilidade à dor visceral. Nesses casos, o tratamento com bactérias permitiu uma reversão dos sintomas.
Os pesquisadores irlandeses também investigam os possíveis problemas de saúde causados pelo uso, na infância, dos maiores inimigos da flora intestinal: os antibióticos. Em um dos estudos, ratinhos que receberam antibiótico em seus primeiros dias de vida mostraram, mais tarde, alteração na resposta à dor visceral – um sintoma muito comum na síndrome do intestino irritável.
A administração de probióticos em ratos, em longo prazo, também mostrou-se eficaz na redução da ansiedade desses animais. De acordo com o neuromicrobioticista John Cryan, responsável pelos estudos, em situações de stress, aqueles que receberam as bactérias apresentaram comportamento semelhante ao de ratos sob o efeito de ansiolíticos e antidepressivos.
São descobertas que necessitam de mais investigações, mas que apontam para um conhecimento mais holístico do corpo e suas falhas. “Os cientistas de cada campo desenvolveram mais e mais palavras e conceitos para suas especialidades. Hoje é difícil para um neurobiologista entender um nefrologista e vice-versa e até mesmo para diferentes neurobiologistas entenderem uns aos outros”, destaca o biólogo Rob Dunn em seu livro Wild Life of Our Bodies (sem edição em português). “Poliglotas biológicos são raros nos estudos do corpo humano, onde territórios são finamente divididos”.
A busca da cura pelo equilíbrio – a começar pela diversificado microbioma – pode ser um grande passo para a integração da grande Torre de Babel que se transformou a medicina.