Estudo revela também que parturiente sente raiva na hora da concepção
A dor do parto é tida como uma das mais difíceis de enfrentar, apesar de passageira. As mulheres de modo geral ficam muito apreensivas com esse momento e, no fundo, sonham com um lenitivo na hora do parto. Estudos têm sido feitos nessa direção. Uma pesquisa de mestrado recentemente apresentada à Faculdade de Enfermagem (FEnf) apurou que a baixa iluminação na sala do procedimento pode favorecer a fisiologia do parto normal e abreviar esse sofrimento. A conclusão é da enfermeira obstetra Michelle Gonçalves da Silva.
Segundo a pesquisadora, alguns estudos reportam que a iluminação ativa o neocórtex, que é o lado do raciocínio, da inteligência. “Na hora do parto, é preciso que ocorra justamente o contrário: desativar o neocórtex e ativar o córtex primal, ou seja, aquele do lado animal, para que a gestante consiga expulsar o bebê.”
As mulheres chegam com muito medo ao hospital e isso inibe a ativação do córtex primal. Acabam liberando adrenalina, ao invés de liberar a ocitocina (hormônio natural do parto), ficando em estado de vigilância, prontas para reagirem. “Constatamos que, quando as luzes são apagadas, é possível resgatar o córtex primal, ativá-lo e liberar mais ocitocina, permitindo que o parto flua mais naturalmente”, disse.
Michele acredita que seu estudo poderá contribuir muito para a expansão do conhecimento na área de Obstetrícia, pois infelizmente o Brasil ainda se sobressai como recordista mundial em cesarianas e existem inúmeros relatos de violência obstétrica hoje.
Que influência teria a iluminação da sala de parto nas reações emocionais das parturientes? A enfermeira avaliou isso a partir de sua vivência pessoal. Ela faz partos diariamente e, além disso, está grávida pela primeira vez – de gêmeos. Percebeu que a mulher que tinha filho em um ambiente com menos iluminação, de penumbra, conseguia ter um parto mais tranquilo.
Michelle estudou um sistema que codifica expressões pelos movimentos dos músculos da face, batizado como Facial Action Coding System (Facs). Esse sistema foi desenvolvido pelos pesquisadores norte-americanos Paul Ekman e Wallace Friesen, os inventores do detector de mentiras moderno. Paul e Wallace idealizaram essa ferramenta para ser aplicada em diversas áreas do conhecimento. Michelle viu nisso terreno propício para avaliar quais emoções as gestantes estariam sentindo quando o bebê nascia.
Para isso, a enfermeira teve que se submeter a uma prova elaborada pelos autores da Facs para saber se estaria apta a utilizar esse sistema que atuaria como coadjuvante do parto. Estava. É a primeira brasileira certificada a fazer uso dessas codificações faciais.
Emoções
Michelle filmou 95 gestantes durante e após o parto, divididas em dois grupos: as que foram filmadas num ambiente com luzes acesas e as que foram filmadas num ambiente com luzes apagadas, ficando aceso apenas o foco cirúrgico voltado para o períneo da mulher. Os partos aconteceram no Hospital “Alípio Ferreira Neto”, periferia de São Paulo. Esse hospital possui um modelo tradicional em que as mulheres são acompanhadas no pré-parto e, na hora de darem à luz, são levadas para a sala de parto.
As filmadoras escolhidas capturavam com acurácia as imagens em ambiente de penumbra, que passavam pelo sistema de codificação facial para estabelecer as emoções (medo, raiva, nojo, alegria, tristeza e surpresa) das mulheres no momento do expulsivo.
Somente se codificam as reações, e esses códigos podem ser empregados em várias situações, até mesmo num jogo de arremessos, por exemplo. Filma-se a fisionomia do jogador e é possível fazer sua codificação facial, estabelecendo as emoções que sentiu. No caso das parturientes, essa ferramenta nunca havia sido usada para esse propósito.
“Manualmente, congelamos a imagem, a cada segundo, quatro vezes. A seguir, avaliamos o movimento dos músculos da face, chegando a uma predefinição. Se a emoção sentida foi raiva, a imagem vai para o software dos autores-inventores e ajuda a colocar a codificação final por meio de uma imagem semelhante. Se corresponderem, a codificação é raiva mesmo”, explicou.
Algumas mulheres passaram por cinco a sete minutos de filmagem, outras por 15 a 40 minutos. Contudo, independentemente do tempo que permaneceram na sala de parto, as mulheres fizeram a mesma sequência de emoções: medo, surpresa, raiva, alegria. “A diferença esteve mesmo na iluminação. Quando o ambiente era todo iluminado, elas demoravam mais em seu tempo de emoção, porque às vezes apareciam também nojo e tristeza misturados. É como custasse para engatar a surpresa e a raiva”, averiguou.
Em seu projeto, Michelle verificou principalmente duas emoções que estavam presentes no ato da mulher conceber: a “surpresa”, que atua como um gatilho para a “raiva”, que é a emoção mais comum no parto. Mas como raiva? A autora esclareceu que essa é a emoção mais primitiva que o ser humano tem e que parir é o ato mais primitivo de que se tem notícia.
De acordo com a enfermeira, a mulher entra numa sala de parto com medo. Depois oscila entre nojo e tristeza. “Quando sente surpresa, é como se resgatasse o lado animal e sentisse raiva. É nessa hora que ela consegue expulsar o bebê. Por isso esse sentimento é muito importante para o nascimento”, salientou.
O ambiente com baixa luminosidade proporciona uma sequência de emoções sem quase interferências, mencionou. A gestante consegue ter todas essas emoções mais rapidamente. Quando existe iluminação, talvez ela se sinta observada, não conseguindo resgatar seu lado primitivo tão facilmente quanto o ambiente de penumbra.
“Para nossa grande felicidade, em ambos os grupos foi interessante perceber que, após o nascimento, 100% das mulheres exprimiram alegria, por mais dificultoso e sofrido que tenha sido o parto”, constatou.
Humanização
Em estudos recentes, relata-se sucintamente e de forma qualitativa que a penumbra favorece a humanização do parto. Há estudos também que descrevem qualitativamente, por verbalizações das mulheres, as emoções que sentiram no parto. Mas nunca houve um estudo que codificasse essas emoções. “O ambiente com baixa luminosidade traz uma fisiologia melhor ao parto. Não precisa intervir tanto e não ocorre interferência de outras emoções. A mãe consegue desencadear surpresa, raiva e alegria muito mais naturalmente”, notou a autora.
O estudo de Michelle foi feito apenas com mulheres que tiveram parto normal, mesmo porque, na cesariana, há uma intervenção muito extensa (sete camadas de pele são cortadas) e não há como apagar as luzes durante esse procedimento.
O sistema que Michele usou pode ser adotado em psiquiatria, criminalística, com pacientes em coma, com bebês e em qualquer situação na qual se queira medir uma emoção, desde que se consiga filmar a fisionomia.
A enfermeira salientou que esse sistema é o mesmo do detector de mentiras, mas que o detector é um avanço da pesquisa desses autores norte-americanos com a Facs. A novidade é que Michelle incorporou a etapa de codificação das emoções.
“Os autores da Facs se mostraram interessados neste estudo, uma vez que o sistema deles nunca havia sido aplicado à saúde da mulher e nem à Obstetrícia”, revelou a autora. “Hoje a Facs está tão difundida em vários tipos de pesquisa e de diversas áreas que já foi montado um grupo nos Estados Unidos que somente elucida emoções e codificação da ação dos músculos que geram as emoções.”
No futuro, Michelle espera que as luzes apagadas sejam incorporadas aos protocolos de parto dos hospitais-maternidades. Esse achado também dará margem a outras pesquisas nessa linha. “Será que, se codificarmos as expressões dos bebês nascendo, isso faria diferença? E, em relação aos profissionais, como eles se sentem fazendo o parto?”, questionou.
Em sua opinião, são situações que merecem uma resposta em pesquisas posteriores e que podem imprimir uma nova dinâmica à assistência ao parto. “Elas dão margem para melhorar em todos os sentidos, olhando todos os atores: profissionais, bebês, mãe, acompanhante.”
Esse trabalho foi feito dentro da linha de pesquisa de saúde da mulher: assistência ao parto. Agora Michelle pretende partir para o doutorado, sobretudo porque, após o parto, ia até as pacientes e também perguntava pessoalmente que emoção elas tinham sentido. O resultado não coincidiu com o que apontou a Facs, diferente de outros estudos que a utilizam.
A mestranda ressaltou que esse resultado apontou que é como se a mulher tivesse um pudor cultural de admitir que sente raiva, mesmo durante o parto. “Pretendo fazer um estudo para descobrir por que as mulheres não assumem de fato essas emoções?”, sublinhou.
Fonte: UNICAMP
Dissertação: “Influência da iluminação em sala de parto nas manifestações emocionais de parturientes: ensaio clínico randomizado”
Autora: Michelle Gonçalves da Silva
Orientador: Antonieta Keiko Kakuda Shimo
Unidade: Faculdade de Enfermagem (FEnf)