Explodem nas redes sociais, grupos de WhatsApp, Twitter e sinais de fumaça exortações ao linchamento – moral e, para alguns, físico – do ex-presidente Lula. Parece que há até convocação para um tal de “aplaudaço” numa ode meio histérica ao Ministério Público e à Polícia Federal.
Vamos ser sinceros. Vivemos agora – ou será que sempre vivemos, fico na dúvida – um momento de suprema hipocrisia. As pessoas estão muito mais interessadas – e isso vale para esquerda e direita – em se sentirem moralmente superiores umas às outras do que em olhar para o País. Ou para o próprio umbigo.
Lula mudou o Brasil. Por mais que Kataguiris ensandecidos ou Azevedos – esses mais esclarecidos – tentem emplacar a ideia absurda de que toda a transformação da sociedade brasileira na última década se deu a despeito de Lula e do PT, qualquer um com um mínimo de racionalidade política e econômica sabe que isso não existe. Nunca existiu, na história do nosso País ou do mundo.
Lula fez uma revolução democrática e até mesmo, em muitos aspectos, conservadora. Deu voz para quem nunca teve, sem criar fissuras na sociedade. E não se trata aqui de metáforas. Lula mudou a cor e as características da Universidade brasileira, deslocou o centro de consumo e, consequentemente, de poder. Deu ao Nordeste um impulso de desenvolvimento que não se acreditava possível — a região cresceu a taxas chinesas durante o seu mandato.
Lula foi e é o maior líder trabalhista da América Latina e um dos maiores do mundo. Tratá-lo como se bandido fosse é um desserviço e um desrespeito à nossa própria História, perpetrado com a ajuda de uma massa de opinião absolutamente cega e levado à frente por um grupo de promotores que indica a todo momento e intenção de agir como se estivessem numa guerra santa.
Não se trata de blindar Lula. Isso é uma bobagem. Trata-se de olhar com o mínimo de imparcialidade para a situação.
Certo ou errado, todos os líderes políticos do mundo tem estreitas – e questionáveis – relações com o setor privado. Bill e Hillary Clinton até hoje respondem por elas. Sarkozy viajava no iate do amigo dono de canal de televisão. Os exemplos como os do ex-presidente uruguaio José Mujica – que, aliás, apoia Lula – são tão admiráveis como raros. Mais curioso até, explicitam uma lógica muito mais socialista do que capitalista.
A pergunta é: por que Lula é o alvo, isolado e demonizado, como se representasse, ele, a corrupção encarnada? Por que passamos com tanta facilidade por cima do fato de que o maior escândalo nesse século aconteceu nos EUA, em 2009, quando o mundo quase quebrou e ninguém foi preso?
Para quem não sabe do que eu estou falando, basta assistir ao excelente A grande aposta.
Voltando a nossas terras, tenho respeito pelo ex-presidente FHC, ainda que dele discorde politicamente, mas sou incapaz de compreender por que, em relação a ele e ao PSDB, nada é investigado.
Não parece, um pouquinho, só um pouquinho estranho que o MP de São Paulo sente em cima de uma apuração envolvendo décadas de roubalheira no metrô e, ao finalmente fazer alguma coisa, não acuse nenhum político?
Não há, nesse caso, nenhuma delação premiada? Umazinha? Li outro dia matéria da Época que detalhava, com orgulho, o impressionante escrutínio realizado na vida de Lula, cruzando cada movimento seu com dados de empréstimos do BNDES.
Tudo bem, que se fizesse isso. Mas e a Brasif? E as contas de FHC no exterior? E a funcionária fantasma do Serra? E a máfia da merenda e do metrô? Comeram soltas sem que Alckmin soubesse de nada? Nada? Não tem teoria do domínio do fato aí?
Não sei onde vão parar as investigações e, para onde quer que elas levem, nunca deixarei de reconhecer o legado de Lula e do PT para o País. Um legado de transformações profundas e, também, de erros graves.
Está aí o cerne da questão. Para quem, como eu, vê no governo trabalhista da última década um fator de evolução social, torna-se quase impossível ficar contra Lula neste momento.
Porque, da maneira como o processo vem sendo conduzido, ele significa não um amadurecimento jurídico e institucional e sim uma perseguição política.
Eliminar o PT e eliminar Lula é uma medida partidária. Com todas as ressalvas que fiz, eu – e tenho certeza, muitas pessoas que pensam como eu – seria o primeiro a saudar uma ação horizontal, que expusesse o relacionamento espúrio entre o público e o privado, em todas as suas esferas.
Mas não é isso que acontece. A maior parte dessa associação, que envolve – profundamente – o PSDB e diversos outros partidos, que envolve grandes empresas, de todos os setores, inclusive de mídia, telecomunicações e bancos, continua à sombra. E não há nenhum sinal de que dela será tirada.
Justiça que só vê um lado não é Justiça. É golpe.
Fonte: João Estrella de Bettencourt – Formado em História, é escritor e um dos criadores da revista Economia Rio. Trabalha há anos – desde sua longínqua juventude – nas áreas estranhamente complementares da análise político econômica e da literatura.