Quando os olhos de Irenie Ekkeshis começaram a coçar, ela supôs que a coceira passaria rapidamente. Mas não foi assim – logo estava com uma dor insuportável e acabou perdendo a visão daquele olho. E a causa deve ter sido nada além de ter manuseado as lentes de contato com os dedos molhados.
Tudo começou em uma manhã de janeiro de 2011, quando Ekkeshis acordou com o olho direito lacrimejando sem parar.
Sua ideia inicial foi ir à farmácia e comprar um colírio simples.
“Pensei que estava com uma pequena infecção e que melhoraria em poucos dias. Mas naquela noite não consegui nem entrar na cozinha, a luz fluorescente parecia brilhante demais. Estava com muita dor.”
Ela decidiu então ir até o Hospital dos Olhos Moorfield, em Londres, onde os médicos fizeram uma espécie de raspagem córnea, um procedimento que envolve a retirada de células da superfície do globo ocular para análise.
“É tão horrível quanto parece – você vê a agulha vindo na direção do seu olho. Era uma dor insuportável, mesmo com o uso de uma espécie de colírio anestésico.”
Dentro de alguns dias, Ekkeshis foi diagnosticada com ceratite amebiana, uma infecção ocular rara causada pelo protozoário parasita Acanthamoeba keratitis (AK), comumente encontrado na água da torneira, do mar e de piscinas.
“Fiquei chocada e com medo, já que naquele momento tinha perdido a visão do meu olho direito e parecia que estava enxergando através de um espelho de banheiro embaçado. Eu conseguia ver as cores e os contornos das coisas, mas nada além disso.”
A ceratite amebiana não é uma doença muito comum e foi descoberta recentemente – no Brasil, os primeiros casos são de 1988. Ocorre mais com pessoas que utilizam lentes de contato, caso de Ekkeshis. No Reino Unido, um em cada 50 mil usuários do produto são infectados com esse protozoário a cada ano.
“Não tomei banho ou nadei com minhas lentes de contato. Mas prendi que até lavar as mãos e não secá-las bem antes de mexer nas lentes pode causar a doença.”
Ekkeshis tinha apenas 12 anos quando decidiu trocar os óculos por lentes de contato.
“Acho que eu era uma adolescente muito consciente”, conta.
Aos 30 anos, ela começou a usar lentes de contato descartáveis, do tipo que se troca todos os dias após o uso, e até então não tinha tido problemas com o produto.
Mas a infecção AK, na qual a ameba invade a córnea ,acabou se tornando um grande problema.
No início, os médicos recomendaram que pingasse um colírio antisséptico de hora em hora e afirmaram, como a infecção tinha sido diagnosticada precocemente, ela deveria estar curada em poucas semanas.
Mas seu olho não reagiu ao tratamento, e como a córnea é a região do corpo que concentra mais receptores de dor, a sensação era terrível.
“A dor piorou com a evolução da infecção. Em alguns momentos, era praticamente insuportável e impossível de controlar, mesmo com analgésicos muito fortes.”
Ela não conseguia trabalhar e chegou a pedir demissão do trabalho como diretora de uma agência de viagens.
O olho lacrimejou durante meses até que enfim os médicos começaram a conseguir controlar a infecção e as dores. Mas a córnea afetada estava com uma cicatriz provocada pela doença, e a visão ficava embaçada, turva.
Transplantes
Em maio de 2013, Ekkeshis fez um transplante de córnea, que inicialmente pareceu um sucesso.
“Era incrível poder ver com os meus dois olhos pela primeira vez em um muito tempo”, afirmou.
Mas, apenas dez dias depois, ela começou a perceber que a visão do olho direito começou a ficar embaçada novamente.
“Um exame que mostrou que a infecção tinha sido passada para o novo transplante. Tínhamos voltado à estaca zero, foi devastador.”
Em 2014, ela fez um segundo transplante.
“Meu olho então ficou estável e eu já não sentia mais dores.”
Mas novamente algo deu errado com a retina, e Ekkeshis perdeu completamente a visão daquele olho. Os médicos disseram que a inflamação causada pela ceratite amebiana seria a causa do problema e que sua visão provavelmente não seria recuperada.
Campanha
Durante a doença, ela notou que ninguém entre seus amigos ou familiares – muitos usavam lentes, inclusive – sabia do risco de expor o produto à água. Decidiu, então, começar uma campanha para tratar do assunto.
Nesse processo, descobriu que um folheto sobre o assunto era produzido, mas não era incluso nas embalagens das lentes – ou seja, a informação não chegava a quem usava o produto.
Ela questionou a Associação Britânica de Lentes de Contato sobre o motivo de não haver alertas nas embalagens – a resposta que teve foi a de que não havia espaço. Foi quando ela decidiu criar um sinal dizendo “Não usar água”.
“Aí a indústria percebeu que eu estava falando sério e me apoiou. Nós produzimos os adesivos com o sinal para que os donos de óticas colassem nas caixas.”
Ekkeshis começou a dar palestras para promover a campanha, que se espalhou também pelos Estados Unidos após chamar a atenção da Academia Americana de Optometria. E espera que o símbolo gráfico seja automaticamente impresso nas embalagens de lentes de contato.
A partir da experiência que adquiriu com a campanha, ela fundou uma empresa chamada the New Citizenship Project.
“Nossa proposta é envolver mais pessoas na sociedade. Quando você pensa e age como um cidadão, você se sente capaz de criar mudanças”, disse.
Adaptações
Ekkeshis, que agora tem 36 anos, precisou se adaptar a ter apenas uma das visões.
“Você começa a fazer coisas que ajudam no dia a dia. Por exemplo, se vou a um jantar com amigos, procuro sentar perto da parede no meu lado direito para que eu possa ver todo mundo.”
“Mas é difícil. Às vezes as pessoas ficam irritadas no transporte público ao você esbarrar nelas porque não consegue ver o lado direito.”
A pálpebra dela é mais baixa, uma condição comum para quem sofre da doença.
“Meu conselho é simples. Nunca deixe que suas lentes entrem em contato com água – no chuveiro, para nadar ou quando for lavar. Apesar de raras, as infecções por AK podem acontecer e as consequências podem ser devastadoras.”