Financiamento público de campanhas à brasileira

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Mais de cem países contam com algum tipo de financiamento estatal, e ferramenta é tida como importante para a democracia. Mas, no Brasil, modelo ameaça reforçar elementos nocivos do sistema político.

“A democracia custa caro”, escreveu o deputado Vicente Cândido (PT-SP) no relatório que propõe um fundo bilionário de financiamento público de campanhas eleitorais, aprovado na quarta-feira (09/08) pela comissão da reforma política.

Desde que a doação por empresas foi proibida, em 2015, o mundo político brasileiro vem tentando encontrar uma forma de reverter a perda de receita.

A primeira medida foi turbinar o já existente fundo partidário, que saltou de 308 milhões em 2014 para 819 milhões de reais neste ano, apesar da crise econômica. Mas eles querem mais.

Deixando a rivalidade de lado, os principais partidos querem agora canalizar 3,6 bilhões de reais dos cofres públicos exclusivamente para custear as campanhas de 2018.

Segundo organizações internacionais e especialistas ouvidos pela DW, o financiamento público é uma importante ferramenta para conter dinheiro da corrupção em campanhas e o lobby de empresas e para equilibrar a disputa entre diferentes partidos.

Para Luciano Santos, codiretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), usar dinheiro público pode causar rejeição entre a população, mas em princípio o saldo é positivo. “Os brasileiros pagam mais com a corrupção causada pelas doações de empresas.”

O problema é como tudo deve ser implementado no Brasil.

Segundo Luciano Santos, com a fiscalização atual e a falta de exigência de contrapartidas, o fundo eleitoral brasileiro vai acabar reforçando vários aspectos nocivos do sistema político, como a falta de renovação, o apadrinhamento, o distanciamento das siglas da população e o mau uso de recursos.

De alguma forma, mais de 118 dos países do mundo contam com algum tipo de financiamento estatal, seja para partidos ou campanhas, segundo o Instituto Internacional pela Democracia e Assistência Eleitoral (Idea). O sistema também é amplamente usado na Europa Ocidental, onde apenas a Suíça não conta com algum tipo de ajuda.

Dependência e isolamento

Na prática, o Brasil já conta com um sistema indireto para pagar campanhas. Além das centenas de milhões do fundo partidário, o espaço para a propaganda eleitoral também é pago com abatimento de impostos devidos pelas emissoras – foram pelo menos 576 milhões de reais em 2016.

O projeto de Cândido prevê um sistema misto, com financiamento público e doações de cidadãos – neste último caso com limites. O formato é defendido pelo Conselho da Europa, entre outras organizações.

Mas segundo um relatório do Idea disponibilizar tantos bilhões para um fundo pode acabar sendo suficiente para os partidos, não gerando incentivos para que eles formem canais de comunicação com a sociedade para arrecadar recursos individuais, o que acentuaria o isolamento das siglas.

Luciano Santos afirma que isso deve ser ainda pior no Brasil. “Não existe no país uma cultura de buscar doações junto à sociedade. Os políticos se acostumaram a pedir só para empresários. Da forma como desejam, os partidos poderão atuar como centrais que dependem do imposto sindical. O dinheiro cai todo o mês e não é necessário fazer um trabalho de base.”

O problema da dependência excessiva ocorre em outros países. No México, 95% dos gastos da campanha presidencial de 2012 foram pagos pelo Estado. Na Espanha, o financiamento público cobre mais de 80% dos gastos dos partidos. Uma forma de contornar isso seria criar mecanismos para incentivar doações e participação popular, mas nada disso é contemplado no projeto brasileiro.

“Os partidos recebem poucas doações particulares por causa da sua reputação terrível. Com mais dinheiro fácil, não têm incentivo algum para melhorá-la. Do jeito que está a proposta acaba causando mais danos ao sistema democrático”, afirma Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.

Concentração

Nos anos 90, os cientistas políticos Richard Katz e Peter Mair advertiram que o financiamento público de campanhas poderia acabar sendo uma das ferramentas para encastelar os partidos que já estão no poder e que contam com bancadas já estabelecidas.

Reservando a maioria do dinheiro para si, essas siglas garantiriam novas vitórias e barrariam a entrada de novos competidores. Segundo os cientistas políticos, isso ajudava a criar uma “cartelização” do sistema partidário.

Segundo a proposta na Câmara, 2% do valor do fundo será dividido igualmente entre os atuais 35 partidos. O restante, 98%, proporcionalmente à votação que seus candidatos a deputado federal tiveram nas eleições de 2014.

O grosso do fundo de 3,6 bilhões ficará então com PT, PSDB e PMDB. A Rede, de Marina Silva, por exemplo, ficaria com apenas 8 milhões de reais porque seu partido tem apenas quatro deputados e um senador, segundo cálculo do jornal Valor. Bem distante dos 415 milhões do PT e 363 milhões do PSDB.

“Também não há critério sobre quem deve receber o dinheiro dentro do partido e regras para que ele seja direcionado para a inclusão de setores da sociedade. Os líderes partidários vão decidir livremente como distribuir. É apenas a perpetuação de quem já está aí e um incentivo para mais apadrinhamento”, afirma Luciano Santos, do MCCE.

Em 2016, quando recursos do fundo partidário foram usados em escala mais ampla pelas siglas para cobrir o fim das doações empresariais, os principais beneficiários internos foram os políticos que já tinham mandato. Houve até ajuda para parentes. No PSL, por exemplo, o filho do presidente da legenda levou 1,3 milhão para custear sua campanha para prefeito em 2016.

Incentivar siglas menores, no entanto, não significa distribuir os recursos igualmente. O próprio Idea afirma que isso levaria a profusão indiscriminada de novas siglas, com o objetivo pegar uma fatia do bolo. Segundo Santos, uma forma de incentivar siglas sem beneficiar organizações sem expressão seria exigir que elas fossem transparentes nos seus estatutos e garantissem renovação das lideranças para ter mais acesso aos valores. Dessa forma, ganhariam legitimidade.

A fiscalização

Comum entre diferentes projetos brasileiros que envolvem financiamento público é a falta de detalhes sobre a fiscalização. O exemplo do Fundo Partidário já é desanimador. A entrega das prestações de contas para análise era física até abril. No momento, se acumulam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pelo menos 560 mil páginas relativas a despesas entre 2011 e 2016.

“A fiscalização é pífia, e quem quiser consultar as contas tem que ir pessoalmente revirar centenas de pastas e catar notas fiscais”, afirma Gil Castelo Branco. “Antes de se cogitar dar dinheiro para campanhas, seria preciso analisar os gastos do fundo partidário e o uso do horário eleitoral, que já custam mais de um bilhão por ano. Já existe um mau uso dos recursos atuais.”

No início do ano, o tribunal ainda estava concluindo a análise das contas de partidos relativas a 2011. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo apontou que recursos foram para o aluguel de jatinhos, churrascos e compra de bebidas alcoólicas. Os partidos podem no máximo ser punidos com cortes em sua parte do fundo e as irregularidades prescrevem se não forem analisadas em até cinco anos.

“Isso vai piorar. Os candidatos vão receber de uma só vez de seus partidos, mas devem poder entregar suas contas em separado, sobrecarregando o TSE. É um incentivo para que nada seja fiscalizado”, afirma Luciano Santos, do MCCE.

Uma forma de contornar isso seria responsabilizar os dirigentes partidários pelo mau uso dos recursos – o que não acontece hoje – e ainda unificar as campanhas. “Faz uma campanha única, com a adoção de listas. Seria possível entregar apenas uma prestação unificada. E a fiscalização teria que ser rigorosa”, completa Santos.

Discussão

A discussão do fundo eleitoral tem ocorrido exclusivamente entre caciques partidários. Isso simplesmente contraria a recomendação de organismos internacionais, que pedem a participação de outros setores na elaboração dos mecanismos de financiamento, como o Judiciário e a sociedade civil.

Luciano Santos, que vem acompanhando o projeto no Congresso, afirma que a falta de transparência vem sendo a norma. “Não há nenhum tipo de consulta pública. As reuniões das comissões não são marcadas com antecedência e simplesmente são adiantadas sem nenhum aviso.”

Gil Castelo Branco também critica como o projeto tem avançado. “É descabido que temas que se arrastaram por anos e não são um consenso na sociedade, possam ser aprovados em pouco mais de um mês e meio. Tudo apenas para garantir a sobrevivência dos grandes partidos. Essa reforma não será boa para a democracia, apenas para os caciques.”

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