Aloysio Nunes diz que todos chanceleres do Mercosul estão preocupados com a situação na Venezuela
A Venezuela já “desbordou a normalidade democrática” e se converteu numa ditadura, disse o novo ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, em entrevista ao Estado. Com isso, ele elevou o tom das declarações de seu antecessor, José Serra, que no mesmo posto já havia classificado o governo de Nicolás Maduro como “autoritário, discricionário e repressivo” e dito diversas vezes que a Venezuela não é uma democracia e que não respeita direitos humanos.
Na terça-feira, após tomar posse do cargo de ministro, Aloysio disse que a chanceler da Venezuela, Delcy Rodríguez, “não tem muita importância” nem mesmo em seu país, onde “o importante são os carcereiros”. Foi em resposta às afirmações que ela havia postado no Twitter, dizendo que o Brasil é uma “vergonha mundial” e que os políticos estão envolvidos em algum escândalo desde que deram o “golpe”.
Mas as preocupações do ministro com a situação na Venezuela são mais amplas e antigas. Ele acompanha de perto o quadro político naquele país e integrou uma missão de senadores que foi a Caracas em 2015 tentar visitar na prisão o oposicionista Leopoldo López. Seguem os principais trechos da entrevista.
A ex-presidente Dilma está em Genebra fazendo reuniões com organismos internacionais. Bater na tecla do golpe prejudica o governo?
Não. Ela está no direito dela, de falar o que quiser onde quiser. Para o governo, esse é um combate de retaguarda. Precisa responder, esclarecer. Esse processo do impeachment já foi perfeitamente julgado pelo Congresso Nacional, supervisionado pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que não há nenhum tipo de constrangimento para nós.
Na área de direitos humanos, a imagem do Brasil não é das melhores no exterior. A própria ONU criticou o excesso de encarceramentos.
O Brasil tem um representante eleito para o Conselho de Direitos Humanos da ONU. É uma prova de prestígio e credencial do Brasil para falar nesse assunto. Embora a gente tenha muita coisa a ser aprimorada ainda, especialmente nas cadeias, nas delegacias de polícia.
O senhor propôs uma legislação que modifica o tratamento aos imigrantes. O Brasil vai modificar sua conduta? Por exemplo, recebendo mais refugiados do Oriente Médio?
O Brasil tem uma legislação para refugiados que é considerada vanguarda no mundo. Ela caracteriza o refugiado não só como aquele que sofre uma perseguição pessoal, mas aquele indivíduo que foi engolfado numa perseguição maciça. Fui relator da matéria, no governo de Fernando Henrique, e tenho orgulho de ter acrescentado à proposta esse dispositivo. Em relação à nova lei de migração, ela vai facilitar a documentação, o acesso a serviços públicos.
Mas o Brasil pode receber mais refugiados da Síria?
Não há restrição ao recebimento de sírios. Depende do desejo deles. A situação dos refugiados sírios já está prevista na legislação brasileira.
Como a política externa brasileira vai lidar o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump? O sr. mesmo disse que ele é uma incógnita.
É. E não só para nós, mas para os próprios americanos. Em relação ao Brasil, nosso empenho é ter relações boas com os Estados Unidos. Nossa conduta é trabalhar sobre vários pontos que já haviam sido identificados, inclusive no governo Dilma, e que precisam acontecer. Questões sobre facilitação de comércio, investimentos, convergência regulatória, abertura de mercados, intercâmbio tecnológico em várias áreas, inclusive da defesa.
O sr. está num tom mais cauteloso, não? Porque quando o Trump foi eleito, o sr. disse que foi o que de pior poderia acontecer, que Trump era o Partido Republicano de porre…
A campanha eleitoral americana foi um horror. Eu assisti a alguns dos debates e, comparando, os debates no Brasil parecem um chá da liga das senhoras católicas, ou a festa mensal que a minha sogra em Rio Preto participa com as amigas dela. Mas passada a eleição a poeira abaixa. A minha expressão “partido Republicano de porre” não é original. Foi utilizada pelo Afonso Arinos em relação ao Jânio. Quando o Jânio se elegeu, ele tinha sido apoiado pela UDN. Mas ele começou o governo tomando algumas iniciativas que a UDN não esperava, como condecorar o Che Guevara. O Afonso Arinos disse: “o Jânio é a UDN de porre.”
Como o sr. vai agir em relação à Venezuela?
Ainda ontem (quinta) eu conversei com os chanceleres dos países fundadores do Mercosul e todos nós temos uma preocupação enorme com a situação humanitária, política, de direitos humanos, a falta de perspectiva de solução disso. Tivemos esperança que o diálogo estimulado pelo papa Francisco pudesse dar bons resultados. Mas não deu, porque o governo Maduro recuou com relação a compromissos assumidos. Da mesma forma, o grupo constituído para tentar destravar o diálogo acabou sendo capturado pelo lado do governo. Vamos atuar nos organismos internacionais.
Havia uma ideia de aplicar a Cláusula Democrática do Mercosul contra a Venezuela. Isso vai prosperar?
Esse é um assunto que, no momento, não temos condições políticas de resolver no âmbito do Mercosul. Todos concordam que há muito tempo desbordou a normalidade democrática. Mas há dúvidas quanto à eficácia dessa decisão. Há quem diga que isso poderá até ser utilizado pelo governo para buscar se legitimar sob o argumento que há um cerco do imperialismo contra eles. Toda ditadura costuma usar do artifício do fantasma do inimigo externo para se legitimar.
A Venezuela virou uma ditadura?
Acho que sim. No meu ponto de vista, sim.
Aquela ideia de fazer uma reunião de parlamentos da região vai avançar?
Vai haver. Vai ser aqui no Brasil e quem está coordenando é o deputado Rubens Bueno, com apoio da Câmara dos Deputados. Agora: isso não leva à suspensão de relações. Não interessa.
E Cuba, que não aceitou o novo embaixador brasileiro lá? Isso é suspender relações?
Não, não. As relações com Cuba, da nossa parte, continuam absolutamente normais. Da parte deles, por razões políticas, por relações entre o partido comunista e o PT, há uma opinião a respeito da situação política brasileira. Mas o fato é que nossos programas continuam aqui. Mais Médicos continua em vigor.
O sr. disse que quer dar nova vida ao Mercosul. O que significa isso?
É voltar ao projeto original do Mercosul, com ênfase nas relações econômicas e comerciais. Fazer com que seja efetivamente uma zona de livre comércio. Isso implica em afastar barreiras ao intercâmbio comercial dentro do próprio bloco. Existe hoje um elenco de cerca de 80 medidas que precisam ser analisadas para destravar o comércio. E abrir o Mercosul ao relacionamento com outros países e blocos. A União Europeia está na ordem do dia. Mas também temos as os países da Aliança do Pacífico, o Canadá, a Índia, o Japão, a Coreia do Sul.
Um estudo elaborado pelo gabinete do senador Tasso Jereissati mostra que a expansão do número de embaixadas ocorrida nos governos do PT foi pouco efetiva. O sr. já analisou essa questão?
Não. Se eu tivesse de recomendar ao presidente a abertura de algumas dessas embaixadas, eu não recomendaria. Mas fechar uma embaixada tem um custo político, porque pode ter repercussão em uma série de países vizinhos. E isso pode depois criar problemas na atuação do Brasil em organismos internacionais.
Isso tem de ser avaliado caso a caso. O estudo trata de práticas que precisam ser modificadas e não recomenda o fechamento de embaixadas. Vamos analisar.