Para Anac, Brasil está atrasado na legislação que libera cobrança por bagagem de franquia
Nesta terça-feira, entra em vigor a nova resolução da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que permite às companhias aéreas cobrar pelo despacho de bagagem dos passageiros. Mas a medida tem sido alvo de críticas e ações judiciais com pedidos para anulá-la antes mesmo de começar a valer.
A Anac afirma que a nova portaria “permite a diminuição dos preços das passagens aéreas para que mais pessoas tenham acesso ao transporte aéreo” e que ela “aproxima o país do que é praticado na maior parte do mundo”.
Do outro lado, porém, tanto o Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) quanto o Ministério Público Federal (MPF) já se manifestaram contrários à medida, alegando que ela é um “retrocesso na defesa do consumidor”. Tanto o MPF como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entraram com ações na Justiça pedindo anulação das novas regras por meio de liminar.
Afinal, essa cobrança está de acordo com as leis do consumidor? O que ela implica para a experiência de voo dos consumidores? A BBC Brasil expõe aqui alguns pontos polêmicos ligados à medida.
1) A cobrança é legal?
A Anac defende que ela “fortalece o consumidor”, já que dá a ele a flexibilidade da escolha: quem quer despachar a bagagem, paga a mais por isso, quem não quer, não precisa pagar. Atualmente, o custo do despacho já está embutido nas passagens de todos, tanto dos que usam, quanto dos que não usam o serviço.
“Atualmente, além do Brasil, apenas China, México, Rússia e Venezuela ainda regulam a franquia de bagagem. As novas regras buscam contribuir para a ampliação da oferta e da diversidade de serviços e, consequentemente, permitir a diminuição dos preços das passagens aéreas para que mais pessoas tenham acesso ao transporte aéreo”, afirmou a agência à BBC Brasil por meio de nota.
Mas é justamente o aspecto do custo da passagem que está sendo questionado por quem é contra a medida. Para o presidente da comissão de Defesa do Consumidor da OAB-SP, Marco Antonio Araújo Junior, a medida fere a lei porque permite uma cobrança “abusiva” e “dupla” pelo mesmo serviço.
“É razoável o conceito de que só paga pela bagagem quem for despachá-la. Não é justo que quem não usa, pague. Mas o fato é que, atualmente, o preço do transporte da bagagem já está incluído no preço da passagem, nenhuma delas dá o benefício de transportar de graça”, pontuou o advogado.
“A forma legal de resolver essa questão seria as empresas aéreas diminuírem em pelo menos 30% o valor das passagens e, a partir daí, cobrarem só de quem vai despachar. Mas a Anac deixou para que isso seja regulado pelo mercado, pelas empresas. E o mercado já se manifestou no sentido de que não vai reduzir (o preço de) passagem aérea”, afirmou.
A OAB protocolou em dezembro uma Ação Civil Pública com pedido de liminar contra a resolução da Anac.
Por enquanto, a maioria das companhias aéreas não confirmou se irá reduzir as tarifas de imediato por causa da medida ou não.
A Gol já indicou que o fará: segundo nota enviada à BBC Brasil, a empresa disponibilizará a partir do dia 4 de abril uma nova tarifa, a Light, “para atender que não precisa ou prefere não despachar bagagens”, enquanto outras duas categorias continuarão a incluir, “sem custo, uma bagagem de até 23 kg”.
Segundo a companhia, reservas feitas antes dessa data não sofrerão qualquer alteração para que os passageiros tenham “tempo para se familiarizar com as novidades”.
O presidente da companhia, Paulo Kakinoff, já havia afirmado que a nova regra “beneficiará o consumidor”.
“Quando a medida que permite a franquia de bagagens entrar em vigor, ela intensificará a concorrência entre as companhias aéreas brasileiras, beneficiando os consumidores. A exemplo do que aconteceu após a liberdade tarifária das passagens aéreas, em 2001, permitindo a queda no preço das tarifas e, consequentemente, a democratização do setor aéreo no país”, explicou, em nota.
O Procon já se manifestou contrário à medida. “Não se pode admitir que o serviço de bagagem seja oferecido de forma opcional, uma vez que o usuário via de regra necessita realizar o transporte de seus pertences, sendo de maior ou menor quantidade a depender da distância do deslocamento. Tal previsão representa um verdadeiro retrocesso na defesa do consumidor, uma vez que as companhias aéreas passarão a oferecer o serviço de forma onerosa para o consumidor”.
Os Procons estaduais encaminharam pedido coletivo ao Senado solicitando o veto à resolução.
Já o MPF pediu a anulação da medida dizendo que ela seria ilegal por permitir uma cobrança abusiva e por que “provoca o retrocesso de direitos já adquiridos pelos consumidores”.
“Ao apostar na concorrência como fator de ajuste dos preços, a agência reguladora ignorou o fato de o Brasil dispor de um número restrito de empresas, o que torna o setor pouco competitivo, sem grande disputa por tarifas mais baixas”, afirmou o MPF, em nota.
A Justiça ainda não julgou o pedido do MPF.
2) Há espaço das aeronaves?
Segundo a regra atual, passageiros podem levar bagagens de mão de até 5 kg. No entanto, com a nova resolução da Anac, as empresas permitirão pertences pesando até 10 kg dentro da aeronave.
O presidente da comissão de Defesa do Consumidor da OAB questiona, então, se as companhias terão capacidade para transportar as bagagens de todos os passageiros nos compartimentos internos do avião com as novas regras.
“Atualmente, nas regras de até 5 kg, se todos os passageiros de uma aeronave levarem mala de mão, não tem lugar. Isso hoje. Então aumentando para 10 kg, não vai caber. E aí, qual será o critério para bagagem, quem chegar primeiro coloca? E os outros? Não terão o mesmo direito?”, observa.
Questionada pela BBC Brasil sobre este ponto, a Latam afirmou que o tamanho da bagagem não muda, mas apenas o peso. “O passageiro poderá levar uma bagagem de mão de até 10 quilos, mas ainda deve seguir as regras relacionadas às dimensões da bagagem permitida, que podem ter no máximo 55 cm x 35 cm x 25 cm (altura x largura x espessura)”, informou a empresa por meio de nota.
A Gol respondeu que “não houve mudanças nas dimensões permitidas da bagagem de mão que alterassem a capacidade e disponibilidade de espaço nos bins (local para acomodação dos pertences de mão”.
Segundo a companhia, “os clientes serão orientados a acomodarem seus itens pessoais (como bolsas) abaixo do assento da sua frente, liberando mais espaço no compartimento de bagagens”. Caso os compartimentos fiquem cheios e não haja mais espaço para as bagagens, elas serão despachadas. “Os clientes receberão um comprovante – mesmo procedimento que já acontece hoje.”
Araújo, porém, pontua que isso poderá levar a atrasos no voo e “obrigará” passageiros a terem de esperar para pegar a bagagem na esteira quando chegarem ao seu destino.
“Os últimos são prejudicados. E aí há prejuízo sob todas as óticas. Vai atrasar o voo, essa pessoa vai demorar para pegar a bagagem de volta…”.
3) E os objetos proibidos na bagagem de mão?
A resolução da Anac interfere também, de certa forma, na própria bagagem levada pelos passageiros. Isso porque os que optarem por não pagar pelo despacho e quiserem levar na mão seus pertences terão de respeitar as mesmas regras que já estão em vigor.
Atualmente, é possível levar cortadores de unha, garrafas de vinho, laquês e outros itens quando você viaja de avião – desde que você coloque esses itens na mala que irá despachar.
Isso não muda com a nova regra. Sendo assim, caso queira levar itens desse tipo (os tais objetos cortantes e outros proibidos dentro do avião), o passageiro terá de pagar pelo seu despacho. Ou abrir mão deles.
“A segurança é o princípio maior. Então você não pode mudar para permitir o material proibido dentro do avião, isso é absoluto”, afirmou Araújo.
4) Limite de cobrança?
Com a nova regra, a Anac não impõe limites ou padrões de valores a serem cobrados pelas companhias aéreas pelo despacho de bagagem, o que assegura ser benéfico para o consumidor.
“Se avaliarmos o comportamento das empresas aéreas nos países em que a franquia de bagagem é desregulamentada, podemos ver que o preço das passagens para os passageiros que pretendem levar apenas bagagem de mão tende a ser menor que a tarifa praticada quando há bagagem despachada incluída no bilhete”, pontua a agência.
“Os novos direitos e deveres dos passageiros aumentam a concorrência entre as empresas aéreas. E concorrência gera preços mais atrativos para o passageiro.”
A Anac ainda cita que após a primeira desregulamentação do setor, em 2001, a tarifa média dos preços de passagens no país passou de R$ 670 para R$ 249, “uma queda de 62% em 15 anos”.
O presidente da comissão de Defesa do Consumidor da OAB, no entanto, afirma que, dessa forma, a agência atuou “apenas em favor do fornecedor”.
A Azul informou a taxa a ser cobrada pelo despacho da bagagem de até 23 kg – R$ 30. A Latam já anunciou vai cobrar R$ 50.
Já a Gol afirmou que os clientes que optarem pela tarifa Light, que não inclui o serviço, pagarão R$ 30 para despachar uma mala de até 23 kg caso adquiram o envio pelo autoatendimento ou agências de viagens, e R$ 60 caso contratem no balcão de check-in – nos voos internacionais, os valores serão de US$ 10 (R$ 31) e US$ 20 (R$ 63), respectivamente.