Os números de procedimentos pós-aborto e de abortos legais realizados pelo SUS (Sistema Único de Saúde) expõem falhas nas políticas contraceptivas e de combate ao aborto clandestino no Brasil. É o que aponta levantamento feito por Aos Fatosno banco de dados do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), do Ministério da Saúde. Nos últimos três anos, o governo atendeu quase cem vezes mais mulheres para a realização de curetagem pós-aborto do que para procedimentos dentro dos parâmetros da lei.
A falta de dados que revelem, com detalhes, quantas pacientes são atendidas pelo SUS em decorrência de abortos clandestinos coloca pouco mais de 181 mil mulheres num grupo que passou por curetagem, seja ela pós-aborto espontâneo, ilegal ou por complicações pós-parto. O número é de 2015. Outras 10.623 mil passaram por um procedimento conhecido como AMIU, que é o esvaziamento do útero por aspiração manual intrauterina. De todas essas, 59 morreram. O custo, somando ambos os procedimentos, foi de R$ 40,4 milhões.
O número de curetagens pós-aborto ou puerpério se manteve nos últimos anos (190 mil em 2013, 187 mil em 2014 e 181 mil em 2015) enquanto o número de AMIUs aumentou (5.704 em 2013, 8.168 em 2014 e 10.623 em 2015).
A Pesquisa Nacional do Aborto, realizada em 2010, apontou que uma a cada cinco brasileiras de até 40 anos de idade já realizou pelo menos um aborto. Mantida a proporção até 2014, cerca de 9,8 milhões de mulheres podem ter passado pelo procedimento. Segundo o levantamento, a maioria das mulheres que recorrem ao aborto clandestino usa medicamento e procura atendimento hospitalar logo depois. A curetagem é o procedimento mais comum, já que apenas o medicamento não é capaz de expulsar o feto do interior do útero. O dado também explica, em parte, o alto número de procedimentos registrados pelo SUS.
Aborto legal
Segundo dados preliminares do Ministério da Saúde, o SUS realizou, em 2014, pouco mais de 1.600 abortos legais. Em 2010, eram 1.666 abortos legais em todo Brasil. Em 2011, foram 1.495. Em 2012, o número subiu para 1.613 e 2013 registrou 1.523. Se compararmos aos números dos procedimentos relacionados, em sua maior parte, às complicações pós-aborto — isto é, cerca de 190 mil por ano –, trata-se de uma diferença considerável.
Um caminho para entender a diferença desses números é a dificuldade para realizar um aborto legal hoje no país. Mais de 90% dos abortos legais ocorreram em decorrência de gestação resultante de estupro, seguido por anencefalia do feto (5%) e risco de vida para a mulher (1%). Os dados são da pesquisa Serviço de Aborto Legal no Brasil, que estudou casos pelo país entre 2013 e 2015.
O estudo aponta ainda que entre 20% e 30% das vítimas de violência sexual procuram atendimento médico. Porém, dessas, de 10% a 30% seguem com o tratamento. Os pesquisadores Debora Diniz e Alberto Madeiro apontam na pesquisa que a exigência de boletim de ocorrência ou decisão judicial para realizar interrupção da gravidez em casos de violência sexual também é uma grande barreira para a garantia dos direitos previstos em lei, que prevê que o único documento que deve ser apresentado pela mulher nessa situação é uma declaração por escrito.
A falta de estrutura e equipes dispostas a atender a mulher que se encontra nessa situação, além da ausência de serviços médicos especializados, afunilam mais ainda os caminhos para a garantia desses direitos. “Elas percorrem obstáculos geográficos, institucionais ou de objeção de consciência dos profissionais”, dizem os pesquisadores.
“Para que as mulheres tenham acesso ao aborto previsto em lei, deve haver disponibilidade de serviços de saúde com qualidade, que respeitem e atendam suas escolhas reprodutivas”, completam.
Fonte: oul