Parecia mais uma terça-feira comum, daquelas preenchidas pela rotina do dia e pela pressa em resolver a vida nos seus vários compromissos.
Mas os primeiros minutos da manhã do dia 29 de novembro já denunciavam a violência do imprevisível: A morte havia chegado para 71 pessoas a bordo do avião que levava o time Chapecoense para Medellín, na Colômbia. Não cabiam rotina ou pressa para lidar com o inacreditável e com nossa dificuldade em colocar o acontecimento em palavras. Era preciso parar.
E assim, o Brasil parou, boquiaberto, doído, emudecido. Quem eram aquelas pessoas para quem se precisou dizer um triste adeus sem ao menos tê-las conhecido? Que histórias viviam antes que a vida trouxesse nossa única certeza, a do fim? Pouco a pouco, fomos conhecendo um a um, atletas, técnico, jornalistas, pilotos. Nomes e rostos eram novidade para muitas pessoas, mas suas mortes foram sentidas com familiaridade.
Em instantes, a cidade de Chapecó, em Santa Catarina, e o futebol brasileiro se tornaram remetentes e destinatários de inúmeras demonstrações de solidariedade. O drama vivido pelas vítimas encontrou identificação em milhões de pessoas, não necessariamente conectadas pelo mesmo universo esportivo.
Televisionadas, narradas, tweetadas ou compartilhadas, as informações sobre a tragédia circularam rapidamente e alimentaram a comoção, ao mesmo tempo em que expuseram a lástima dos familiares e amigos. A infelicidade vivida por eles foi acompanhada em tempo real, até mesmo explorada.
Mas a angústia, dor, desespero, revolta, ódio, tristeza, medo, culpa e ideias onipotentes de salvação – identificadas entre as pessoas próximas às vítimas – precisam mesmo é de acolhimento e sensibilidade. Diante da dor do outro, a empatia é fundamental para lidar com o sofrimento alheio e evitar que seja transformado em espetáculo.
A certeza da morte não alivia a angústia profunda causada por ela, o só o luto permite que essa perda seja “digerida” e abra caminho para outras realizações na vida que fica – afinal, para alguns, ela precisa continuar. Mas espremido entre a urgência da “superação das dificuldades” e a rejeição da tristeza por nossa cultura, este processo, que já é bastante difícil, acaba ficando em segundo, ou último plano. Mais do que comoção, a tragédia da Chapecoense precisa de espaço para o luto das pessoas afetadas.
A punição para os responsáveis, caso haja culpados, ajuda a elaborar a perda. “A impunidade pode manter a ferida aberta”, explica a psicanalista Luciana Saddi.
“Elaboramos as perdas de forma singular e intransferível. Alguns passam a vida a negar o ocorrido. Outros enfrentam a dor, se deixam abater e ultrapassam o inferno: Sentimentos muito difíceis de administrar. Quem está de luto está sensível e os sentimentos podem se transformar a qualquer minuto. Ódio, dor, cansaço, culpa, tristeza, descontrole, frieza e ambivalência de afetos são frequentes.”
Segundo Saddi, quem tiver condição de suportar viver estes sentimentos intensamente, sem reprimi-los, por mais estranhos que sejam, tem mais chance de amenizar essa situação.
“O luto é um momento de loucura, loucura sana. Quem não suportá-la tem mais chance de adoecer.”