O REI DA MERDA – Estranho produto gera lucro em feira

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Ricardo diz que é o único vendedor de estrume no Rio de Janeiro. “Quanto mais eu trago, mais eu vendo”, diz ele que trabalha em duas feiras

Rio – Entre tantos produtos para comercializar em praça pública, ele escolheu o mais improvável. Ricardo Batista de Oliveira, de 52 anos, o ‘Rei da Merda’, há 35 anos vende esterco de boi em feiras do Rio – e vende muito. “Toda pessoa que gosta de plantas e sabe o que é bom para elas procura”, diz Ricardo, referindo-se ao adubo natural que traz de currais de Tinguá, em Nova Iguaçu.

“Eu procuro uns currais que tenham muitos bois e peço autorização pra poder pegar. Eles deixam, porque é uma coisa que toda hora tem, boi come 24 horas por dia. Eles querem mais que eu pegue mesmo, pra limpar o campo. Se eu tirar um caminhão, ainda fica faltando muito, porque é merda pra tudo que é lado”, conta. Depois da coleta, ele leva para as feiras – da Glória, aos domingos e quintas-feiras, e de Laranjeiras, às sextas – grande quantidade do produto, a bordo de seu velho carrinho de camelô, que comporta até 200 quilos. Ele está à procura de outras feiras, certo de que “onde for, vai vender”.

Tem saquinho de um quilo, que ele vende a R$ 3, e de 60 quilos, a R$ 150. Mas os valores são negociáveis e há ainda porções menores, cujo preço é definido na hora. “Dá até uma graninha boa”, afirma, com um sorriso largo em que faltam alguns dentes. Em outro momento, sério e com certa tristeza, desabafa: “Meu maior sonho é colocar os dentes. É muito sofrimento ficar sem dente. Estou entrando em depressão.”

Nesses anos todos vendendo esterco, Ricardo conta que já recebeu encomendas inusitadas. A mais esquisita delas foi a de uma senhora que pediu o ‘produto’ ainda fresco. “Ela disse que era pra tomar um banho espiritual, que tirava todo o demônio do corpo. Mas, no caso, tinha que ser logo que o boi acaba de fazer”, conta. Ele atendeu a cliente. “Às vezes, catando o adubo de planta, o boi faz, assim, do meu lado. Então, é só catar e colocar no balde”, diz Ricardo, com a maior simplicidade do mundo.

Estrume era usado até como repelente para mosquito

A ideia de vender estrume veio de lembranças da infância, quando Ricardo ia com a mãe à Feira do Estácio, na Rua Maia Lacerda. “Quando eu era pequeno, uns 10 anos, 12 anos, morava no Estácio, e minha mãe ia para a feira na hora da xepa, quando as pessoas pobres faziam feira. Ela tinha dez filhos homens, então, só mesmo após meio-dia. Eu ia com ela e via muita gente vendendo merda de boi, que era usada também como um repelente natural para espantar mosquito de casa”, lembra Ricardo.

Alguns anos mais tarde, desempregado e casado, veio a ideia de vender uma coisa que ninguém vendia. “Pode rodar o Rio, de ponta a ponta, que você não vê ninguém vendendo. Vendo merda mesmo, e sem um pingo de vergonha. Quanto mais eu trago, mais eu vendo”, orgulha-se Ricardo, que vive há dez anos na Baixada, com a esposa. Os três filhos já são casados.

A inspiração para seu ramo de comércio também vem do gosto por coisas da roça. “Meus avós eram do interior. Eu sou daqui, mas é como se fosse do interior, porque minha mente é toda voltada pra lá. Não tem nada que eu não goste no interior. Aprendi a montar à cavalo, mesmo sendo da cidade. É como se eu morasse no Sul de Minas, lugar que eu tenho vontade de conhecer e não conheci”, diz ele, acrescentando: “Eu gosto das coisas pacatas da roça. Tudo que é natureza é comigo.”

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