Se existisse a receita perfeita para reduzir a corrupção política no Brasil, que ingredientes ela teria? “É a resposta que vale US$ 1 milhão”, provoca o economista e cientista político Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil.
Não existe consenso sobre quais as melhores ou mais eficazes maneiras de enfrentar o problema, mas pesquisadores do tema apontam algumas sugestões.
O UOL ouviu estudiosos e representantes de organizações de combate à corrupção sobre possíveis receitas para enfraquecer estratégias perniciosas das quais muitos políticos e poderosos tiram proveito. E as respostas passam por diminuir o apadrinhamento político, aproximar a comunidade da fiscalização do dinheiro público e proteger a Operação Lava Jato.
Para Manoel Galdino, é preciso dar um passo anterior, e as soluções devem passar mais pela prevenção do que pela punição. “Depois que ela [a corrupção] acontece, é muito mais difícil reaver o dinheiro, como a gente vê na Operação Lava Jato. Você pode até punir, desestimular, mas não recupera tudo o que foi roubado. É muito mais fácil prevenir do que punir”, afirma.
Diminuir o peso do dinheiro nas eleições
Desde as disputas eleitorais de 2016, estão proibidas no Brasil as doações empresariais (pessoas jurídicas) para campanhas políticas. Somente pessoas físicas podem dar dinheiro para os candidatos e existe um limite.
De acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), as doações realizadas por pessoas físicas ficam restritas a 10% dos rendimentos brutos obtidos pelo doador no ano anterior à eleição, conforme o que foi declarado por ele no Imposto de Renda.
“O custo de uma campanha é alto, são muitos partidos e é difícil diferenciar uma sigla da outra. O custo informacional de votar no Brasil é caro, então quem tem muito dinheiro consegue chegar melhor ao eleitor e ter uma diferença eleitoral muito forte. Candidatos que têm mais dinheiro têm mais vantagens. Assim, o corrupto [que recebe dinheiro em troca de favores] tem mais vantagem sobre o honesto.”
Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil
Eliminar o “beija-mão” da classe super-rica
“Doadores que têm mais poder financeiro têm mais possibilidade de barganhar com o político. E há uma concentração da oferta de financiamento. O candidato pede doações de campanha, naturalmente, para quem tem mais dinheiro. Gente que é bem financiada no Brasil geralmente tem só uma meia dúzia de financiadores. No sistema de teto nominal [com limite de valor de doação por pessoa, não limite em porcentagem], existe indução de uma pulverização da fonte de financiamento. A doação legal fica distribuída em mais pessoas. Todo mundo vota igual e doa igual.
Ou seja, mais gente tem poder de influência sobre os candidatos.”
Bruno Pinheiro Wanderley Reis, cientista político da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Acabar com o “Você sabe com quem está falando?”
“Esse é o indício da desigualdade civil no Brasil, essa desigualdade política. O cidadão comum não tem acesso ao controle do Estado. Ele apenas paga imposto, apenas é reprimido, não tem direitos civis assegurados e garantidos. O Brasil é o país do guarda da esquina: você tem uniforme, você é autoridade? Já se sente no direito de desrespeitar e tripudiar o cidadão comum, sobretudo os mais pobres. A corrupção brota desse terreno de desigualdade jurídica do cidadão e do operador do Estado.”
Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
Reduzir o número de apadrinhados políticos no Executivo
“Uma vez que você elege políticos corruptos e eles precisam de dinheiro para continuar se elegendo, vão estar dispostos a trocar seus votos no Legislativo por cargos no Executivo. O Brasil tem muitos cargos indicados pelo Executivo para apadrinhados políticos. Você tem uma troca de favores cujo único objetivo é obter propina para financiar campanha eleitoral ou enriquecimento ilícito do político.”
“Só no Executivo nacional, o Brasil tem quase dez vezes mais cargos de nomeação do que os Estados Unidos, por exemplo.”
Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil
No Estado de São Paulo, funcionários em cargos de confiança são maioria em 8 de 24 secretarias e em 13 de 63 órgãos do governo estadual. A proporção é considerada exagerada por especialistas, mas o governo alega que, no geral, emprega um percentual reduzido de comissionados. (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/03/25/funcionarios-semconcurso-dominam-secretarias-e-estatais-do-governo-de-sao-paulo.htm)
Um exemplo de como esta relação de apadrinhados pode resultar em corrupção pode ser vista a partir da delação premiada do empresário Joesley Batista, da JBS.
Ele afirmou que sua empresa pagou propina ao lobista Lucio Bolonha Funaro, apontado como operador financeiro do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para conseguir favores em lugares onde estes tinham influência política: Caixa Econômica Federal, Congresso Nacional, Ministério da Agricultura e Fundo de Investimentos do FGTS. A defesa do ex-deputado nega atos ilegais. (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/06/22/como-funcionava-o-esquema-de-corrupcao-que-desviou-milhoes-da-caixa.htm)
Aumentar a participação da comunidade na fiscalização
“A gente precisa de mais participação social na fiscalização. Os Tribunais de Contas [que fiscalizam contas públicas] são pouco transparentes. O Ministério Público, muitas vezes, não está envolvido com a comunidade nos Estados. Quem mora na região e nos bairros é quem vê os problemas, vê que a escola não está sendo construída, vê que o hospital está sem funcionar, e isso é resultado também da corrupção. Precisa ter esse controle social para que a fiscalização seja mais efetiva, para que a gente impeça a corrupção de acontecer.”
Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil
Proteger a Operação Lava Jato
Iniciada há pouco mais de três anos, em março de 2014, a Operação Lava Jato reúne um conjunto de investigações sobre esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo a Petrobras, partidos políticos, empresários e empreiteiras, em vários Estados. As atividades da Justiça Federal e do Ministério Público Federal, que têm deixado temerosa a classe política, já resultaram em prisões e repatriação de grandes volumes de dinheiro mantido fora do país.
“A coisa mais imediata é proteger o processo que está sendo bem-sucedido e está chamando a atenção do mundo, que é a Lava Jato. Temos que preservar esse processo e garantir que ele possa prosseguir alcançando os objetivos a que ele se pôs, que é chegar à investigação, processar e punir quem quer que seja, não importa o poder econômico, político, da coloração partidária e ideológica.”
Bruno Brandão, economista e representante no Brasil da ONG Transparência Internacional
“Lutar para que a sociedade continue vigilante, porque as tentativas de sabotagem vêm de todos os lados”
“A gente fica frustrado e abismado com o tamanho do problema que a gente tem, a montanha de dinheiro roubado assusta, mas a Lava Jato está funcionando. Tem luta contra seus desdobramentos, mas ela está andando. O que a gente precisa é continuar cumprindo a lei, não retroceder e acreditar na democracia. Com o tempo, a gente vai aperfeiçoar o combate à corrupção.”
Manoel Galdino, diretor-executivo da ONG Transparência Brasil
Sair da encruzilhada da corrupção
“A mensagem que nós estamos mandando para o mundo é que nós temos aqui uma encruzilhada. O país está mandando sinais duplos de um problema grave, sistêmico, profundo de corrupção, mas por outro lado, de uma capacidade enorme de confrontar o problema a partir de instituições sólidas, da aplicação da lei e da mobilização da lei. O que vai prevalecer é o caminho que nós vamos tomar nessa encruzilhada: se é botar isso a perder e continuar no caminho que veio até hoje, da impunidade histórica nesse país, corrupto em geral e principalmente do corrupto poderoso, ou mudar o rumo da nossa história para um país que pode virar até um modelo de superação e de combate a um problema grave de corrupção e virar, quem sabe, não só um exportador de corrupção, como se mostrou na Lava Jato, mas um exportador de combate à corrupção.”
Bruno Brandão, economista e representante no Brasil da ONG Transparência Internacional
Combater “crime de atacado” com “remédio de atacado”
“Se ficarmos anos e anos a fio processando dezenas, centenas de deputados para colocar uns na cadeia e outros não, a gente só vai desorganizar o sistema político, que só vai funcionar cada vez pior. Isso é usar o ‘remédio do varejo’ para cuidar de um ‘problema no atacado’. ‘Corrupção no atacado’ é matéria regulatória. ‘Corrupção no varejo’ é matéria criminal. Se eu peguei um cara fazendo algo que ninguém faz e que é crime, eu processo o cara. Se eu pego centenas de caras fazendo algo que eu acho que não deveria acontecer, eu tenho que pensar em mudar a regra. Se não, eu vou derrubar a casa.”
Bruno Pinheiro Wanderley Reis, cientista político da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
Para o professor Reis, não se trata de anistiar políticos do crime de corrupção nem de aliviar a punição para eles, mas de mudar as leis para “desarmar o viés favorável ao poder econômico”, aproveitando, por exemplo, experiências positivas internacionais.