‘Velha política’ ameaça a Lava Jato, diz chefe da Transparência Internacional

J.UGAZ-TRANSP-INTERNACIONAL.jpeg

José Ugaz, presidente da Transparência Internacional, durante conferência em Londres

Para o presidente da Transparência Internacional, organização voltada ao combate à corrupção de influência mundial, a Operação Lava Jato não comete abusos ao atingir políticos de alto escalão.

José Ugaz defende a punição de “peixes grandes” como exemplo de que “ninguém está acima da lei”.

Em entrevista à Folha, o peruano alerta, porém, para eventuais fracassos.

“Na ausência de novas lideranças, existe um risco real de que a velha política consiga sabotar os avanços da luta contra a corrupção”. Com um agravante. “Há sinais preocupantes de desmobilização da cidadania”, observa.

Ugaz chegou ao Brasil no domingo (26) para a abertura de uma representação da Transparência Internacional e encontrará o juiz Sergio Moro, o procurador-geral Rodrigo Janot, ministros do Supremo e congressistas.

Folha – Que tipo de efeito ações ruidosas como a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo (PT) causam?
José Ugaz – É inevitável que casos de grande corrupção, quando descobertos, criem impacto político e midiático. Isso não é mau. Alguns especialistas, como Robert Klitgaard [ex-professor da Universidade Harvard], dizem que um bom começo a um processo anticorrupção vigoroso é “fritar peixes grandes”. É importante para a população ver que não há intocáveis, ninguém acima da lei.

Houve perseguição ou abuso de autoridade na Lava Jato?
Não há corrupto nesse nível que não se diga perseguido político, em qualquer parte do mundo, e normalmente não há base para se afirmar isso. [Uma investigação de fôlego] pode produzir alguma contaminação política, mas a melhor forma de se evitar excessos são a transparência e o monitoramento, não somente dos órgãos encarregados, mas também da sociedade.

Então, até agora, não identificou excessos no Brasil, como alguns petistas alegam?
Não vemos nenhuma violação severa ao devido processo. Investigados, quando têm significativa cota de poder, tratarão de utilizá-lo alegando perseguição política, golpe de Estado. Mas isso ocorre de um e de outro lados. A corrupção não tem distinção de ideologia. Parece-me mais discurso para a opinião pública, quando o que vemos é que se está fazendo justiça.

Mas ainda há ministros no governo Michel Temer (PMDB) com pendências criminais.
Lamentavelmente, não vemos melhora substancial com a mudança de autoridade no mais alto nível, e isso mostra um problema de corrupção estrutural. Esperamos que, além das investigações policiais, ocorram reformas estruturais.

Há, porém, pessimismo quanto ao fim da corrupção.
O pessimismo existe não apenas no Brasil, é generalizado na América Latina. Porém, do meu ponto de vista, vivemos uma época de luzes e de sombras. Efetivamente, há muita corrupção, mas também há sinais de esperança, como o que ocorre no Brasil, em Honduras, na Guatemala.

Temos de explicar à população que é possível mudar, mas é necessário pressionar as autoridades a adotarem as medidas necessárias. Se não fizerem isso, temos que fazer nós mesmos, sair às ruas. Está provado a nível mundial que quando os desafios da grande corrupção não são enfrentados, cria-se problema de governabilidade.

Qual o caminho para uma política sem corrupção em um sistema cuja regra é a corrupção?
Assim como existem os carteis de crime, é necessário formar carteis de integridade, que reúnam aqueles que tenham um plano de bem comum para mobilizar a população e obter o seu respaldo. Por outro lado, há um problema de cultura política. Temos de iniciar processos pedagógicos para que eleitores sejam conscientes.

O senhor quer discutir a internacionalização da Lava Jato. O que isso significa?
Queremos que as empresas do cartel da Petrobras paguem pelos delitos de corrupção praticados no estrangeiro, principalmente na América Latina e África. Em vários desses países as instituições são fracas e corruptas, e é provável que os crimes não encontrem castigo por iniciativa das autoridades locais.

O Brasil tem obrigação de investigar e punir empresas pela corrupção cometida fora. Significa exportar as lições aprendidas. Queremos que os esforços da brasileiros beneficiem outros países.

A cooperação global cresceu?
Tem tido avanço, mas há um obstáculo que são os chamados “paraísos fiscais”, que deveriam se chamar esconderijos fiscais.

Um exemplo é o caso do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de diversos crimes de corrupção. Ele disse que não era dono do dinheiro achado no exterior, mas “usufrutuário” de um truste. Logo depois, corrigindo-se, disse que era “beneficiário”. É exatamente o fim desses mecanismos de tubulação internacional da corrupção que a Transparência Internacional prioriza.

A Lava Jato contribuirá no combate à corrupção?
A operação foi possível graças a avanços na capacidade e na autonomia dos órgãos de Justiça e de controle da corrupção. É notável, porém, a disparidade a níveis subnacionais.

Todas as conquistas da Lava Jato e outras grandes operações ocorreram em órgãos federais. Se o Brasil não expandir os avanços para a base da corrupção, todo o progresso pode deixar de produzir resultados sustentáveis a longo prazo.

Quais consequências políticas a Lava Jato trará?
A primeira já está ocorrendo, que é a reação da classe política. Encurralada, persegue de todas as maneiras a sua sobrevivência, tentando retardar o progresso das investigações, seja por tentativas de intervenção direta, seja por alterações legislativas que tirem poderes dos investigadores. Em um contexto de ausência de novas lideranças, existe risco real de a velha política sabotar os avanços da luta contra a corrupção.

Por isso, o monitoramento contínuo da cidadania é fundamental, acompanhado de pressão por reformas estruturais. Do contrário, a frustração da população fomenta atitude generalizada de descrença, alienação e cinismo sobre a política, e isso põe em risco o sistema democrático.

Vê paralelos com a Operação Mãos Limpas, na Itália, que iniciou estrondosa, murchou e terminou com Silvio Berlusconi? A Lava Jato corre o risco de cometer erros similares?
A Itália de Berlusconi tem mais a ver com a reação da classe política italiana à operação Mãos Limpas, aprovando leis que minaram o marco anticorrupção, e com o progressivo desinteresse da população, do que propriamente com erros dos agentes.

A Lava Jato está exposta aos mesmos riscos, já que há movimentos similares da classe política brasileira e também sinais preocupantes de desmobilização da cidadania. A polarização exacerbada no Brasil também ameaça a legitimidade da luta contra a corrupção.

À esquerda, identifica-se um discurso de vitimização e autodefesa, que tenta qualificar a luta contra a corrupção como “golpista” e associá-la de maneira generalizada à luta de classes. À direita, observa-se a associação em protestos anticorrupção com expressões de intolerância e preconceito, o discurso de ódio e ânsia por punição a qualquer custo —inclusive a violação de direitos fundamentais.

Ambos os extremos ameaçam a legitimidade da causa anticorrupção e, portanto, a sua sustentabilidade e o seu alcance a longo prazo.

Há manifestações de que é necessário sinalizar um fim para a Lava Jato, sobretudo por motivos econômicos. Concorda?
A Lava Jato tem que ir até onde os indícios de corrupção a levarem, até a apuração total dos crimes cometidos. Pouquíssimos países no mundo em desenvolvimento estão levando tão a sério a luta contra a corrupção como o Brasil dá sinais de estar fazendo.

O fenômeno chama a atenção do mundo e, em particular, de investidores estrangeiros que veem o potencial de criação de novo ambiente de negócios onde haja menos cartéis e mais competição, menos suborno e mais império da lei.

Grandes corporações globais estão sujeitas a legislações duríssimas de alcance universal, por isso analisam riscos com cuidado. O discurso de que a Lava Jato é prejudicial à economia é falácia daqueles que se beneficiaram do sistema antigo e agora começam a pagar por seus crimes.

Como avalia o instituto da delação premiada?
Acordos de cooperação judicial estão entre as ferramentas mais eficazes na luta contra a corrupção. No entanto, devem ser usados com transparência, critérios objetivos e controle. Sem isso, é real o risco de injustiça ou favorecimento da impunidade.

No Brasil, observa-se outro grande problema, o vazamento de informações sigilosas. Em Brasília, é um instrumento dos grandes jogos de poder, usado para eliminar adversários e para influenciar decisões judiciais. É gravíssimo e, quando ocorre em pequenas cidades, é questão de vida ou morte.

Quando um cidadão decide confrontar a corrupção, denuncia uma autoridade local e tem sua queixa ou identidade revelada, sabemos que o resultado muitas vezes é a morte.

A legislação brasileira anticorrupção é adequada?
Avançou, mas há muito a avançar. É preciso enfrentar um problema, comum a outros países, de aplicação da lei. A decisão de que condenados em segunda instância apelem cumprindo sentença de prisão é um avanço enorme. Figuras como o deputado Paulo Maluf (PP-SP), símbolo global de impunidade com uso de manobras, podem começar a ser menos comuns.

Fonte: Folha de S. Paulo

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

verificação *

scroll to top