Entre mitos e fatos: Confissões de um jovem ativista

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Recentemente, assisti a uma audiência da Câmara em que estavam presentes o pastor Silas Malafaia, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), o ativista de direitos LGBT Toni Reis e a admirável deputada Erika Kokay (PT-DF). E sinceramente, tive muitas dificuldades para discernir se estava assistindo a uma audiência pública séria numa das mais importantes casas legislativas do mundo.

O que se apresentava ali era um festival de aberrações: indecoro, chamamentos nada agradáveis e incapacidade de se manter um tom que permitisse ao mesmo tempo o debate de idéias e o sarcasmo fino esperado de recintos como aquele. Parecia muito mais uma daquelas brigas de sala de aula que aconteciam quando ainda estávamos no Ensino Fundamental.

“Se você acha que pode falar isso de mim e sair ileso está muito enganado!”, disse Joãozinho, ao que todos gritavam “Uhhhhh! Ahhhh! Dá nele! Dá nele!”.

E logo começavam os elogios dos tolos: “Esse João é um mito. Ele dá na cara. Ele me representa”.

Eu nunca escolhi ser como o Joãozinho, ou o Pedrinho que o desafiava. Sempre vi esse tipo de situação como desgastante, enfadonha e “uma perda de tempo”.

Ao invés disso, tornava-me para os livros e me preocupava um pouco mais com as provas e trabalhos. Para mim, não existiam mitos, mas apenas pessoas reais. Umas muito infantis, outras nem tanto – e eu tentava fazer o possível para ser parte do segundo grupo.

O dicionário Michaelis define mito como:

1 Fábula que relata a história dos deuses, semideuses e heróis da Antiguidade pagã. 2 Interpretação primitiva e ingênua do mundo e de sua origem. (…) 5 Coisa inacreditável. 6 Enigma. 7 Utopia.

E a política não está livre deles: criamos heróis de contos de fadas que defenderão os pobres (Lula), o Brasil de bem (Aécio), o macho alfa heterossexual (Bolsonaro), e, mais recentemente, a centro-esquerda órfã (Ciro Gomes).

Mitos são criados por pessoas por palavras e passados adiante por palavras. Ganham força nas palavras, mas são apenas isso: palavras. Palavras de uma fábula.

Sem as palavras, tornam-se unicamente histórias fictícias de quem tem muito pouco a oferecer.

Sem seus cargos, seus partidos, seus apoiadores e sem os inconsequentes que batem palma e gritam “Uhhhhhh, ahhhhh”, os Joõezinhos e Pedrinhos briguentos voltam a ser apenas o que eram: um livro mal escrito, um coração nada valente e uma vida que só encontra sentido, força e prestígio nos valentões que a suportam, à esquerda ou à direita.

São os bullies da vida que vazam para a política a velha política: bruta, grosseira, violenta e mesquinha, mais preocupada com a fama pessoal e com os golpes rasteiros do que com o bem do País.

Prefiro não trabalhar com mitos na política. Mitos políticos são seres que inventamos para satisfazer nossa necessidade por pão e circo: entretenimento gerado a partir de algo que não foi criado para entreter.

Na política, prefiro olhar para pessoas de verdade e aquilo que elas têm a oferecer além de público e palavras.

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Prefiro quem enfrentou todas as adversidades para se alfabetizar aos 16 anos de idade.
Prefiro quem continuou estudando e expandindo os limites do seu conhecimento.
Prefiro quem enfrentou os jagunços na defesa da floresta e das populações ribeirinhas.
Prefiro quem dedicou a vida para preservar o patrimônio ecológico do planeta.
Prefiro quem recebeu a maior premiação da ONU na área ambiental.
Prefiro quem foi considerada pelo jornal The Guardian como uma das 50 pessoas capazes de salvar o planeta.
Prefiro quem recebeu o Prêmio Goldman do Meio Ambiente.
Prefiro quem recebeu das mãos do príncipe Philip da Inglaterra a medalha Duque de Edimburgo, em reconhecimento à sua trajetória e luta em defesa da Floresta Amazônica.
Prefiro quem recebeu o prêmio norueguês Sophie da Sophie Foundation por sua luta em defesa da amazônia brasileira.
Prefiro quem recebeu da Fundação Príncipe Albert 2º de Mônaco o Prêmio sobre Mudanças Climáticas.
Prefiro quem foi escolhida para carregar a bandeira olímpica na abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, junto a ganhadores do prêmio Nobel.
Prefiro quem, ainda neste ano de 2015, recebeu na Universidade de Harvard a homenagem e o reconhecimento por sua vida e obra.
Prefiro quem não mentiu na eleições, mas foi sincera sobre o que precisava ser feito.
Prefiro quem apresentou um programa completo desde o começo, construído com a sociedade civil. 244 páginas de programa que, infelizmente, não receberam a devida atenção, senão dos marqueteiros inescrupulosos.
Prefiro quem não foi citada em nenhum ponto da Lava-Jato.
Prefiro quem, mesmo depois de ter recebido inúmeras pedradas durante a campanha eleitoral, preferiu não jogar lenha na fogueira do impeachment de forma inconsequente.
Prefiro quem, mesmo depois da fama, nunca deixou as populações indígenas do Brasil a sua própria sorte.
Prefiro quem não se furtou das decisões difíceis que se colocaram à mesa quando o risco de uma “década perdida” estava em jogo, mesmo que isso significasse um sacrifício pessoal.
Prefiro quem, no lugar do embate violento, optou pelo diálogo paciente e o debate respeitoso.

Entre mitos, lendas e utopias dessa política brasileira, prefiro a realidade possível queMarina Silva tem a oferecer. Sem heróis salvadores da pátria. Sem “Uhhhhh”. Sem “Ahhh”. Sem bullies valentões com os olhos destilando ódio. Sem o incentivo à guerra virtual rasa e emburrecedora que tomou conta do debate político nacional.

É apenas realidade. Construída coletivamente, com diálogo e respeito.

E isso me basta.

Favoritar – Engenheiro, ativista da Rede Sustentabilidade

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